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Menos é mais

30 de Novembro de 2018 às 00:01

Nelson Fonseca Neto

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Estou escrevendo esta coluna no dia 28, quarta-feira. O prazo está estourando. A tarefa deveria ter sido concluída no sábado passado. Mais tardar, no domingo. Foi um fim de semana povoado de compromissos atípicos. E aqui estou, quase meia-noite, batucando estas mal traçadas.

Quero fazer um alerta. Escrever no finalzinho do prazo não significa escrever de qualquer jeito. Um pouco de malícia a gente passa a ter nesta vida, não? Sempre sento diante do computador com um esquema na cabeça. Chance zero de ficar olhando com expressão abobalhada para a tela.

Se bem que o grau de esquematização varia bastante. Tem semana em que o texto já está prontinho na cabeça. E tem semana em que surgem variações a partir de um tema. Confesso que não sei dizer qual tipo de texto sai melhor. Já ouvi gente falando bem de um ou outro formato. Mal também.

O que você está lendo agora está no terreno das variações a partir de um tema. O núcleo do que eu havia pensado trata da crise que soterrou grandes livrarias brasileiras. Hoje mesmo, voltando do trabalho, pensei em algo que não fosse muito passional. Eu queria escrever uma análise distanciada. Corria o risco de a coisa toda sair com ar meio sabichão, mas não tem problema. A gente precisa ter coragem para bancar algumas decisões.

Só que entre a volta do trabalho e o momento em que escrevo este texto, a Patrícia fez um comentário interessante. Estávamos voltando do shopping. Paramos no estacionamento da padaria. Ela fez um comentário cândido. Eu soltei uma opinião bizarra, dessas que são emitidas por aqueles que amam ser do contra. Prefiro não revelar os detalhes da conversa. Posso adiantar que não foi nada grave. Eu simplesmente falei uma abobrinha.

Foi aí que a Patrícia disse que eu estou ficando meio maluco. Eu não sei se eu já contei para vocês, mas eu sou o rei da gafe. São inúmeros os casos em que eu não consigo ficar de boca fechada e solto um comentário bizarro. A Patrícia já testemunhou várias dessas situações. Não pense que ela fica triste ou preocupada. Ela acha engraçado, principalmente porque fico com cara de pastel. A Patrícia é um doce, mas é sarrista até o último fio de cabelo. É essa combinação que me dá a certeza de que estarei casado com ela até o fim da vida.

Ela diz que a minha maluquice é ranzinza. Como se, ao longo dos últimos anos, eu fechasse as possibilidades de coisas e pessoas com quem simpatizar. Ela tem razão. Muitas coisas que me agradavam na juventude me aborrecem hoje. E é claro que tem aquela lista das coisas que sempre me aborreceram. Tudo isso renderia um “Guerra e paz” da chatice.

Quer um exemplo? Livraria muito grande. Passei muitos anos da minha vida acreditando que o paraíso era logo ali. Gastei horrores em algumas livrarias paulistanas. Sem contar que eu achava o máximo a megalomania de tudo aquilo. Eu passava horas circulando por aqueles corredores lotados. Eu pagava sorrindo o café que custava os olhos, o nariz e a boca da cara. Sem brincadeira, eu achava que o futuro do livro no Brasil estava naquelas lojonas.

Mas o encanto acabou. Não pense que esse treco de envelhecer é brincadeira. A gente muda bastante. O ouvido fica mais sensível. As filas inspiram pânico. A gente abaixa para amarrar o sapato e dá uma gemidinha. É mais complicado sair de casa. Acordar cedinho no fim de semana passa a ser encarado com naturalidade. Aglomerações dão calafrios. Enfim, essas coisas. Acho que deu para entender.

E é por isso que já faz um bom tempo que as livrarias muito grandes e barulhentas não me apetecem mais. Num primeiro momento, parece absurdo um cara que vive de ler, escrever e dar aulas dizer uma coisa dessas. Mas só num primeiro momento. Sempre as livrarias terão meu apoio. Se forem aconchegantes, melhor ainda. Poxa, quando dou presente para alguém, na esmagadora maioria das vezes é livro. A questão aqui não é gostar ou não de livro. O que eu queria dizer é que o modelo das lojonas não se sustenta. Eu penso nas pessoas que sofrem diretamente com essas quebras. Mas não tem como não ser esperançoso e imaginar as cidades povoadas por livrariazinhas invocadas. Seria o sonho do sujeito que envelhece querendo paz.