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Lista

26 de Junho de 2020 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Nick Hornby é um dos grandes escritores contemporâneos. É dele um dos melhores livros sobre futebol já escritos: “Febre de bola”. Seus romances misturam humor com episódios comoventes. Um dos traços mais marcantes de Hornby é a habilidade na hora de transportar a cultura pop para seus textos. Outro aspecto crucial é o ato de fazer listas. Várias de suas personagens organizam a vida a partir de listas. Os assuntos são os mais variados. Músicas que marcaram alguns encontros amorosos. Jogos trágicos de futebol. Livros. Para as personagens de Hornby, o mundo fica menos tenebroso por conta das listas.

Impossível conhecer essas figuras e não sair escrevendo listas também. É o que vocês lerão hoje. O assunto que escolhi: coisas que me irritam profundamente. Para não deixar pontas soltas, atribuirei uma nota ao final de cada parágrafo. Números baixos significam aborrecimentos leves e passageiros. Números altos significam aborrecimentos que despertam desejos homicidas.

Motos e carros com escapamentos preparados para ruídos bem, bem altos. É muito comum nos depararmos com pessoas que afirmam que o celular é o grande mal dos nossos tempos. De acordo com essas pessoas, crianças e adolescentes constituem uma geração perdida. Ou tem muita gente que olha horrorizada para quem fuma. Como se a fumaça de um cigarro situado a vinte metros de distância furasse marotamente a camada de ozônio e matasse instantaneamente todas as pessoas localizadas num raio de dez quilômetros. Mas vejo pouca gente se levantando contra os barulhos infernais que nos cercam. As pessoas berram quando usam o celular, e beleza! As pessoas gastam os tubos em carros esportes tremendamente barulhentos ou em motos esportivas cujas aceleradas são ouvidas a uma distância enorme. Quando reclamo de carros e motos assim, sou considerado um chato cinco estrelas. É que eu ouço várias dessas aceleradas invasivas tarde da noite. Eu bem que gostaria de compreender o que se passa na cabeça de um indivíduo que sabe estar acordando meio bairro com a sua voltinha glamourosa. (Nota 9.)

Comentários em redes sociais. Tenho perfil no Facebook. Sou, portanto, usuário de rede social. Não serei hipócrita de demonizá-la. Ela tem lá seus encantos. Não é o caso de enumerá-los aqui. Confesso que, no início, eu lia os comentários em páginas de jornais e revistas como algo divertido. Eu admirava uma certa pureza de cidadãos e cidadãs tomados pela raiva. Essa minha impressão mudou de vários meses pra cá. Certamente é culpa das bizarrices políticas. A pandemia tem uma cota grande de culpa no cartório também. Desculpem se sou agressivo, mas vamos lá: não é possível ter tanta gente burra no mundo. Um dia alguém publicará um livro gigante que reunirá as maluquices ditas sobre o coronavírus. A gente acaba encontrando de tudo um pouco. Não estou incluindo na conta a ignorância no seu sentido tradicional. Isso dá pra perdoar. O drama é a arrogância. Gente discordando abertamente das evidências. Somos um caso único. Muita gente decidiu sair na porrada com o vírus. Muita gente acredita que o combate ao vírus passa pela eliminação de notícias desagradáveis. Como se o silêncio fosse a arma mais eficaz para ludibriar a doença. Faltou combinar com o vírus. E por aí. E não terá fim essa maldição de comentários estúpidos. (Nota 9,5.)

Tratemos agora de coisas mais amenas (para mim, pelo menos):

Gente que pergunta se li todos os livros aqui de casa. (Nota 1,0.)

Gente que me vê carregando um livro e pergunta o que estou lendo. (Nota 1,5.)

Comercial “cabeça” que aparece entre um desenhinho e outro no YouTube (Nota 7,0.)

Gente que não entende o que estou dizendo e solta um “oi?” (Nota 6,0.)

Gente que diz “bom dia”, olha para o relógio, pede desculpas, e solta um “boa tarde”. (Nota 6,5.)

E assim vamos tocando o barco nesta fase tétrica.