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Essencial

29 de Novembro de 2019 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Chegar aos 42 anos é fogo na jaca. Para os padrões atuais, estou longe da velhice. É só ter um mínimo de conhecimento histórico para notar uma coisa dessas. Se estivéssemos no início do século XX, eu estaria desfilando pela cidade trajando um sóbrio terno. Não poderia faltar o chapéu. Eu seria sisudo. Iria de bonde ao trabalho. Enfim, vocês entenderam.

Por outro lado, não sou moleque, ainda que eu receba diariamente, das mais variadas fontes, estímulos para ser o eterno adolescente. Duvidam? Abram os olhos e vejam o que está acontecendo. Não precisam ir muito longe. Está todo mundo meio elétrico. Estou delirando?

Se nesse assunto de idade eu sou fronteiriço, é natural que vocês perguntem: mas você pende para a juventude ou para a velhice? Pela casca, eu diria que para a juventude. Sou adepto dos tênis, das calças jeans, das camisetas folgadas. Solto uma ou outra gíria descolada. Tenho perfil no Facebook. Sei o que é Twitter. Essa é a casca.

No miolo, o pêndulo vai para a velhice. Venho, de uns anos pra cá, passando por um processo de decantação. Tenho eliminado aquilo que não me convém. Desisti da simpatia irrestrita. Claro que isso traz problemas. Deve ter um monte de gente que me considera arredio. Não consigo engatar conversas empolgadas com pessoas que não são próximas a mim. A Patrícia já notou. Já levei bronca da minha amada. Sempre faço promessas de redenção. Mas o perigo mora logo ali. E lá vou eu bancando o urso antipático.

Essa coisa da velhice se espraia para vários outros aspectos da minha vida. Escrevo este texto na última semana de novembro. As festas de fim de ano já mostram a que vieram. Vieram para aporrinhar. Claro que não é culpa da minha família e dos amigos do peito. O que estraga é o climão mesmo. Calor, trânsito piorado, comerciais fofinhos, listinha de presentes, retrospectivas, especial do Roberto Carlos, shoppings abarrotados, o frenesi, o suor, a comida pesada. Quando perguntam como eu “passei” o fim de ano, minha vontade é responder trocando o verbo: como eu “suportei” o fim de ano. Vão vendo o que a velhice de alma faz com a pessoa.

Sobra até para a literatura. Na maior parte da minha vida, encarei os livros com o coração generoso. Coragem para a novidade. Aceitação de estilos que não me conquistavam. Espírito de CDF para mapear da melhor maneira possível o que escritores produziram ao longo de séculos e séculos. Não me arrependo. Foi importante para a minha profissão. Descobri coisas boas pra danar. Mas já deu o que tinha que dar pra mim.

Hoje, até tenho lido mais. O que mudou é que não sigo mais listinhas e planinhos. Não caio mais no “você precisa ler esse livro!”. Leio o que quero, na hora que achar melhor. Caminho tropegamente. Perdi o pudor de abandonar um livro chato logo nas primeiras páginas.

Eu olho para o monte de livros aqui em casa e penso: isso tudo é necessário? Percorro as estantes e tento controlar a vontade de me desfazer de uns 80% do acervo. Os livros que cogito descartar foram importantes em algum momento. Dá vontade de me despedir deles recorrendo à fórmula sacana que muita gente usa para terminar um relacionamento: “o problema não está em você; está em mim”. Mas a preguiça bate mais forte. Melhor deixar as coisas como estão.

Quero acreditar que as minhas caraminholas despertam o mínimo interesse em vocês. Quero acreditar que vocês gostariam de perguntar: “Querido cronista problemático, se você tivesse coragem, quais seriam os livros que restariam em sua biblioteca?”. Boa pergunta. E fácil de responder. Para além dos classicões, literatura policial.

Minha biblioteca perfeita teria, sem sombra de dúvidas, a obra completa de Andrea Camilleri. Não é pedir muito. A velhice nos ensina a humildade.