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Escafandro

09 de Abril de 2021 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Sou fascinado pelas atividades do mergulhador e do astronauta. Vivo fuçando vídeos que mostram o fundo do mar ou a lua. Meu fascínio pelos extremos mostra que sou dado a fugas? Cada um interpreta como julgar melhor.

Não é o caso de dizer que sempre sonhei em ser mergulhador ou astronauta. Culpa, acho, de certa morosidade de caráter. São atividades que exigem sacrifícios de várias ordens. Imagino que o preparo físico tenha de ser algo próximo do sobrenatural. Tem outra: sou caseiro pra caramba. Preguiça danada de ficar batendo perna por aí. Terríveis as longas ausências do mergulhador e do astronauta. Acho pouco provável que eles digam para a esposa: “vou logo ali, até daqui a pouco”.

Espero ter sido claro. Nunca quis ser astronauta ou mergulhador. O que me encanta é o “estar longe” em alguns momentos. Olhar tudo lá do alto e sentir na pele como somos insignificantes. Estar lá no fundo enquanto os barulhos chegam abafados e um mundo colorido está ao alcance das mãos.

Sempre gostei de piscinas. Difícil encontrar criança que não goste de piscina. São corriqueiras as cenas barulhentas de pais tentando tirar o filho da piscina depois da permanência de algumas horas. O João Pedro pira na piscina. Eu também pirava.

Claro que se livrar do calor tem um peso grande na história. Mas não é apenas isso. Eu diria que é muito mais do que isso. Se eu dissesse que gostava de piscinas porque elas aliviavam o calor, tudo estaria reduzido a um utilitarismo meio besta. Se a utilidade pautasse tudo na nossa vida, este texto seria sobre, sei lá, o ventilador. O ventilador também alivia o calor.

Minha experiência com piscinas sempre foi algo meio místico. Nunca fui de ficar pulando freneticamente na água. Meu negócio era mergulhar. Por um tempo, eu inventava missões de espionagem e perigos tétricos. Depois parei com as histórias e mergulhava apenas para fins contemplativos. Ouvir a vida de um jeito diferente. Sentir o corpo de um jeito diferente. Ver as coisas a partir de outros ângulos.

Hoje tenho ido bem menos a piscinas. Quando vou, revivo por alguns momentos as glórias da infância. Mas não era bem sobre isso que eu queria falar agora. Já dou o alerta ao leitor. Este texto dará um salto que parecerá um tanto bizarro.

No começo desta semana, um pouco antes de dormir, surgiu o tema para a coluna desta semana: meu isolamento das notícias. Seria um texto sobre o filme de terror protagonizado pelo Brasil atualmente. Logo depois de ter a ideia, dormi. Tudo parecia bem encaminhado.

Contextualizando: sempre fui o louco da informação. Eu devorava jornais antes da internet. Com a internet, eu consumia parte do meu dia lendo vários sites de notícias. Passei os últimos meses acompanhando gráficos, prognósticos e relatos. Não quero entrar em detalhes porque este assunto me irrita: já faz um tempão que o que estamos vendo hoje estava sendo cantado. Por isso larguei mão. Parei de acompanhar o que está acontecendo. Fico sabendo de uma coisa ou outra porque a Patrícia comenta. Não conto isso para vocês com orgulho. Não quero servir de exemplo. Só estou contando o que está acontecendo por aqui.

A conexão com o mergulho é óbvia. Ao abrir mão das notícias, entro num escafandro e vejo o fundo do mar. Na prática, é simples. Os livros acabam suprindo a fome de eventos. Eventos remotos, de preferência. Os anos iniciais do futebol brasileiro pelas mãos de Mario Filho. O estupendo romance “Asfalto Selvagem”, de Nelson Rodrigues. A preciosa biografia de Noel Rosa, escrita por João Máximo e Carlos Didier.

E assim vou atravessando. Escapismo? Covardia? Firula? Cada um julga como quiser. Não podemos controlar a maneira como somos vistos. Só sei que tem feito um bem danado esse afastamento. Afastamento, mergulho. A gente vai ficando espartano com o passar dos anos. Os grandes projetos dão lugar a pequenas satisfações. Acreditem: não é pouca coisa não ver e não ouvir certas figuras que a História julgará, com a frieza necessária, logo, logo.