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Dezembro

18 de Dezembro de 2020 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Tenho o cacoete de falar mal de dezembro. Quem me acompanha aqui ao longo de quase dez anos tem encarado a minha ranhetice sazonal. Reclamo do calor, da muvuca, das filas, das revelações de amigo secreto, da ceia. Este ano é diferente. Você sabe disso. Não vou aporrinhar ninguém com recomendações. Faz várias semanas que joguei a toalha. Cada um sabe onde o sapato aperta.

Sai a ranhetice. Entra a implacável nostalgia. Faz um tempão que não bato perna pelo centrão nas noites de dezembro. Isso não impede que eu sempre fique meio felizinho quando anunciam que as lojas abrirão até mais tarde entre o dia X e o dia Y.

É que a gente morou vários anos no coração da coisa. Penha com a Benedito Pires. A coisa fervia no sufoco de dezembro. Chovia pra caramba, com hora marcada. Era assim, não? Sei lá. Talvez seja a memória torcendo as coisas. Na minha modesta percepção, o clima parecia mais delimitado décadas atrás. Chuvas pesadas em dezembro e janeiro. Frio a partir de meados de abril. Essas coisas.

Mas eu estava falando da muvuca das noites de dezembro no centrão. Meu irmão e eu vivemos tudo aquilo na infância. Isso marca qualquer um. Criança aguenta tudo com muito mais sabedoria. Tudo é maravilha prum molequinho que está descobrindo o mundo. O João Pedro que o diga.

O adulto reclama do calorão, da rua entupida, dos carros se arrastando, da barulheira. A criança acha o maior barato. A criança é uma farrista nata. Ela é um mini Jorge Ben. Eu pirava com o trenzinho da Cirandinha. Eu emporcalhava a cara com o sorvete italiano da padaria Barão. Eu azucrinava meus pais com pedidos estapafúrdios.

O centrão bombava. Aquilo ali não volta mais. Você não venha com explicações que apontam as mudanças estruturais no comércio. E nem estou dizendo que meu sonho é que as coisas não mudassem. Eu só estou dizendo que aquela época era o maior barato. A de hoje também pode ser, mas a galera precisa colaborar.

O centrão bombava porque o pessoal não tinha muito pra onde correr. Hoje há, como diria o empolado, uma miríade de opções. Esse lance das opções é óbvio. Óbvio a ponto de acharmos que é um fenômeno da natureza encontrarmos mais de dez canais voltados a crianças na TV a cabo. Os guerreiros da minha geração tinham de ser contentar com um He-Man aqui e um Thundercats ali. E tinham de achar bom. E a gente achava.

E isso nos leva a uma febre dos últimos anos: a customização. Eu demorei um tempo pra entender como isso funciona. Depois eu entendi. Um produto customizado é um produto que “tem a sua cara”. Não precisa ser um gênio para perceber que o lance é fazer o cara se sentir exclusivo. Quem sou eu na fila do pão pra ficar apontando o dedo pras pessoas? Mas vamos lá.

O problema é quando o carinha acha que a vida é customizada. Tudo do jeito que ele desejar. A coisa indo além do mundo dos objetos. Aí é catástrofe. Eu não veria grandes problemas no hábito de colocar um adereço estiloso no calçado. O duro é chegar com essa vibe na hora lidar com questões mais sérias.

É brega gritar ao celular no restaurante. É chato pra caramba. Mas passa. Agora sinta o drama. O sujeito botou na cabeça que a sua vida customizada significa usar as ruas da cidade como um autódromo. Vá falar que isso é uma cretinice criminosa. Chance de ouvir que é o direito dele de se divertir.

A pessoa fanática pela vida customizada jamais aproveitaria as delícias das noites de dezembro no centrão. Uma pena. Azar o dela.