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Recenseadores viram alvo de violência

Assédio e ameaças durante entrevistas levam contratados pelo IBGE a desistir do trabalho no Censo

19 de Agosto de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Recenseador do IBGE em ação no Rio
Recenseador do IBGE em ação no Rio (Crédito: TÂNIA RÊGO / AGÊNCIA BRASIL)

 

O medo, a falta de orientações e a vontade de desistir têm sido comuns no dia a dia dos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde que começaram a atuar na realização do Censo 2022 no dia 1º de agosto. Os relatos são numerosos em grupos das redes sociais que reúnem os profissionais. “Um homem quase me bateu quando perguntei o sexo dele; já saiu gritando comigo e me perguntando que tipo de pergunta é essa, porque ele é muito macho”, desabafou uma recenseadora em um grupo. “Ontem eu voltei para casa chorando, fiquei o dia todo escutando piadinhas dos moradores”, lamenta outra. “Eu vou desistir antes de terminar o primeiro setor”, contou outra agente.

Nos últimos dias, foram registrados casos de agressões verbais, assédio e ameaças aos profissionais em diferentes pontos do País. Os recenseadores são orientados a retornar a cada domicílio por quatro vezes no caso de recusa ou ausência dos moradores. Em uma cidade no interior do Maranhão, José (nome fictício) diz que, na quarta visita a uma das casas, deixou uma notificação que pede que o cidadão entre em contato com o recenseador responsável pela área. “Não sei como, mas a pessoa achou meu número pessoal e ligou às nove da noite me insultando, dizendo que ia mandar me prender, que não ia responder o censo porque ela não era vagabunda e não devia nada para o governo”, conta.

Em áudio enviado ao Agente Censitário Supervisor (ACS), ele afirma que, ao explicar sobre a obrigatoriedade das respostas, foi confrontado: “Ela falou que não tinha nada a ver, e que se você quiser pode ir lá, mas que ela poderia nos processar por ter deixado uma notificação na casa dela. Eu considero isso um desacato ao funcionário público, que é um crime, né?”.

Após conversar por telefone com o supervisor, que orientou o recenseador a voltar à residência, a moradora concordou em responder aos questionamentos, mas José não descarta registrar um boletim de ocorrência. “Se for só pra conversar e ela sair impune, ela pode fazer isso com outras pessoas”, afirma.

Em Goiânia, Sandro (nome fictício) também passou por situações como essa em duas ocasiões. Quando assinou o contrato de trabalho com o IBGE, decidiu avisar alguns moradores de seu setor, próximo de onde mora, sobre o início da coleta dos dados. Um dos moradores, agente de segurança pública, teria ameaçado pegar uma arma de fogo. Nesta semana, um homem que chegou a iniciar a entrevista na calçada mudou de ideia. “Ele começou a gritar, me xingar de vagabundo e voltou para a casa simulando que ia pegar algo para me agredir caso eu não saísse da calçada”, relata.

Quando o caso foi levado aos supervisores, Sandro teria sido orientado a voltar à residência em outro dia e tentar resolver a situação. “Nas duas agressões não disseram quais seriam as medidas adotadas, mas sofri retaliação da supervisão, que disse que se eu registrasse um boletim de ocorrência iria sujar o nome do IBGE”, completa. Sandro se negou a voltar ao local e foi transferido de setor.

Na cidade de Fortaleza, Bruna (nome fictício) foi assaltada na semana passada enquanto realizava entrevistas do censo. Segundo o boletim de ocorrência registrado, dois homens a ameaçaram com arma de fogo e levaram o celular fornecido pelo IBGE. Sem equipamento, ela ficou oito dias sem trabalhar até que um novo aparelho fosse fornecido. “Perguntei sobre direito à reparação financeira, já que ganhamos por produção. Mas não obtive resposta”, conta. Um B.O. por calúnia também foi registrado por uma recenseadora contra um entrevistado na cidade de Ponta Grossa, no Paraná.

Para os recenseadores ouvidos, as dificuldades se devem à falta de divulgação sobre o censo. “A maioria das pessoas não sabe o que significa essa entrevista e só faltam nos bater; outras se escondem ou nos tratam super mal”, continua Bruna. “As pessoas têm medo de golpes ou coisas piores”, pontua José.

Muitos entrevistados também parecem não compreender o objetivo dos questionários: há moradores que ficam receosos de ter que informar o CPF ou responder a perguntas como de qual raça se consideram e se são do sexo feminino ou masculino. “Tem muitas também que acham que é uma pesquisa sobre política, por ser ano de eleição”, explica Sandro.

Segundo o IBGE, as situações de agressão são casos isolados que estão sendo encaminhados localmente pelas unidades estaduais do instituto. Por meio de nota, o órgão informou que em casos de ofensa, assédio, agressão, qualquer ato de violência, verbal ou física, a orientação aos recenseadores é inicialmente comunicar ao coordenador de subárea ou ao supervisor e registrar um boletim de ocorrência para as devidas providências. (Estadão Conteúdo)