Seis anos após tragédia de Mariana, voz de atingidos chega ao CNJ

A tragédia de Mariana ocorreu no dia 5 novembro de 2015

Por Cruzeiro do Sul

Canteiro de obras da Nova Bento Rodrigues.

Seis anos após a tragédia de Mariana (MG), atingidos estão tendo a oportunidade de expor suas experiências e descontentamentos com a reparação nas altas esferas do Poder Judiciário. O espaço foi garantido no âmbito do processo de negociação de um novo acordo de reparação que está sendo mediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No mês passado, duas audiências públicas foram realizadas em formato virtual. Cada uma delas durou cerca de seis horas, e cada atingido pôde falar por cinco minutos. Mais um encontro está previsto para 1º de dezembro.

A tragédia de Mariana ocorreu no dia 5 novembro de 2015, quando o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco causou a morte de 19 pessoas e gerou impactos em dezenas de cidades mineiras e capixabas situadas na Bacia do Rio Doce. Em março de 2016, foi firmado o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) que estabeleceu os 42 programas atualmente em andamento. O acordo foi firmado entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Para administrar as medidas previstas e custeadas pelas mineradoras foi criada a Fundação Renova.

A repactuação desse acordo ocorre em meio a um cenário complexo do processo reparatório. Segundo o CNJ, cerca de 85 mil processos relacionados à tragédia tramitam na Justiça brasileira. O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que não participaram da negociação do TTAC, consideram que a Fundação Renova não tem a autonomia necessária diante das mineradoras e não conseguiu apresentar os resultados esperados após seis anos. As três entidades, além das defensorias públicas da União e dos dois estados, estão envolvidas na repactuação.

O procurador-geral de Justiça do MPMG, Jarbas Soares Júnior, está otimista com um acordo, pois avalia que as próprias mineradoras têm interesse em chegar a um termo que traga mais segurança jurídica. Ele cita dois dos principais gargalos do processo indenizatório: o reassentamento e as indenizações. "Os atingidos estão até hoje sem suas moradias, o que é um direito elementar básico do cidadão. As indenizações estarão no coração dessa repactuação".

Nas audiência públicas já realizadas, os atingidos se queixaram de diversos problemas como a contaminação da água, a ineficiência dos programas de reparação e a falta de assessorias técnicas, direito que foi conquistado judicialmente mas que não foi efetivado em muitos municípios. "O índice de analfabetismo na área de produção rural é alto. É muito difícil lidar com tudo isso. A assessoria técnica há muito tempo foi escolhida, mas não vem a campo por falta de liberação", diz Maria Célia Albino de Andrade, produtora rural e moradora de Conselheiro Pena (MG).

Apesar de ressaltarem a importância do espaço, muitos deles destacaram nas audiências públicas que esperam participação nas decisões. "O atingido e a atingida precisa estar na mesa de negociação. Precisa ter poder de decisão junto aos órgãos competentes que já estão na mesa", disse Rômulo Araújo, morador de São Mateus (ES). "Só reunião online não é participação", acrescenta Simone Silva, que integra a comissão de atingidos de Barra Longa (MG).

O cronograma da mediação prevê atividades até fevereiro do próximo ano. A expectativa do MPF e do MPMG é que possa ser obtido um acordo mais próximo ao que foi negociado para a tragédia de Brumadinho, sem o envolvimento de uma entidade como a Fundação Renova. As ações foram divididas: a responsabilidade de execução ficou em parte com o governo estadual, os municípios e a mineradora Vale, responsável pela barragem que se rompeu causando 270 mortes em janeiro de 2019. Também foram previstas medidas que ficaram a cargo da decisão dos atingidos junto às instituições de Justiça. O acordo de Brumadinho foi fechado em R$ 37,68 bilhões.

Jarbas Soares Júnior vê os dois casos se influenciando. "O que aconteceu em Mariana inspirou Brumadinho, para que não fossem cometidos os mesmos erros. E agora o acordo de Brumadinho está inspirando a repactuação de Mariana", diz o procurador-geral de Justiça do MPMG.

Para o MPF, a extensão dos danos na bacia do Rio Doce foram superiores. Sua referência na negociação de repactuação é uma ação judicial de R$ 155 bilhões que moveu contra as três mineradoras em 2016. A Fundação Renova afirma já ter gasto, até o final de setembro, cerca de R$ 16,8 bilhões na reparação. A entidade trabalha com um horizonte de atuação até 2030 e prevê que o custo total da reparação chegará a quase R$ 29 bilhões. "Esse é o valor que temos hoje. É um valor que vamos revisando periodicamente para incorporar novas informações, novas decisões judiciais", diz o presidente da Fundação Renova, André de Freitas.