A maior vitória foi voltar ao tatame
Criança com TEA supera crise emocional durante campeonato de judô, retorna à luta e protagoniza emocionante cena de inclusão
No judô, a vitória nem sempre é medida pelo resultado final da luta. Em muitos casos, ela está no controle emocional, na persistência e na capacidade de enfrentar os próprios limites. Foi exatamente esta a conquista que marcou a participação de Gabriel Antunes da Silva, 7 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), durante um campeonato realizado no início deste mês.
Em meio à pressão da competição, o garoto passou por uma crise emocional, foi acolhido pelo treinador Tiago Carioca e, após se acalmar, retornou ao tatame para concluir a luta. A cena, registrada em vídeo, viralizou nas redes sociais e evidenciou a força do esporte como instrumento de inclusão.
A trajetória de Gabriel no judô começou há cerca de um ano, dentro do projeto social Judô Cidadão. Segundo a mãe, Larissa Antunes, o primeiro contato veio de forma despretensiosa, mas ganhou um significado maior após orientação médica. “O neurologista pediu um esporte de disciplina por conta da rigidez comportamental e das constantes reclamações da escola, porque ele ficava muito nervoso com facilidade. Quando voltamos para o judô, tudo começou a mudar”, conta.
Desde então, os avanços se tornaram visíveis dentro e fora do tatame. Gabriel apresentava dificuldades de atenção e aprendizagem apenas por comando verbal, o que exigia acompanhamento próximo do professor. “Ele precisava que o sensei (professor) mostrasse várias vezes, pegasse na mão dele, explicasse passo a passo. Até na parte motora ele tinha muita dificuldade. Hoje isso melhorou bastante”, relata a mãe.
O impacto positivo também se refletiu no comportamento. Segundo Larissa, o judô ajudou o filho a compreender regras, limites e responsabilidades. “Hoje ele sabe que precisa ir bem na escola para não perder o judô. Aprendeu a se alimentar melhor e passou a lidar melhor com frustrações”, comenta.
O episódio mais marcante se deu durante o terceiro campeonato disputado por Gabriel. Sem atletas do mesmo peso na chave, ele enfrentou um adversário maior e mais experiente. Após algumas quedas consecutivas, o nervosismo tomou conta. “Ele ficou muito ofegante, chorando e já não escutava mais a árbitra”, explica o sensei Tiago Carioca.
Com experiência no trabalho com crianças atípicas, o treinador reconheceu rapidamente a situação. A luta foi interrompida e o clima de respeito tomou conta do ginásio. Arbitragem, organização e até o adversário aguardaram o tempo necessário para que o menino se regulasse emocionalmente. “Ele não escutava mais ninguém naquele momento, mas conseguiu se acalmar comigo. Depois disso, voltou e terminou a luta”, lembra Tiago.
Mesmo sem a vitória no placar, a sensação foi de conquista. “O que mais me deixa feliz é a superação, principalmente na confiança e no autocontrole. Hoje ele acompanha a aula como os alunos típicos”, afirma o treinador, que trabalha atualmente com seis crianças autistas no projeto social.
Para a família, o resultado esportivo ficou em segundo plano. “Só o fato de ele ter se regulado e voltado para a luta já foi uma vitória enorme. No dia a dia, quando se frustra, ele costuma desistir. No judô, está aprendendo a persistir”, destaca Larissa.
Mesmo com dificuldade de verbalizar sentimentos, Gabriel demonstra orgulho à sua maneira. Ele guarda as medalhas conquistadas, mostra para amigos e familiares e reage positivamente aos elogios. “Ele pode não falar muito sobre o que sente, mas a forma como reage mostra o quanto isso é importante para ele”, conclui a mãe. (Murilo Aguiar)