Xadrez Clube de Sorocaba guarda memórias e busca ajuda para expandir
Prestes a completar 90 anos, o clube pretende instalar aparelhos de ar-condicionado e, sonha, adquirir o imóvel vizinho
Quem passa desatento pela rua Santa Clara, na região central de Sorocaba, nem imagina que, em uma daquelas velhas casas, está sediado o Xadrez Clube de Sorocaba (XCS). A guerra é silenciosa, mas feroz. Não há gritos, apenas o som seco das peças deslizando pelo tabuleiro e o tique-taque do relógio cravando o tempo. No xadrez, cada movimento é calculado, como numa dança precisa entre estratégia e paciência. É um jogo de reis e rainhas, mas também de garotos do bairro, de aposentados da praça, de jovens em busca de um lugar para pensar. No centro dessa lógica silenciosa está o XCS, onde o jogo virou ponte: entre gerações, entre mundos, entre oportunidades.
Com quase 90 anos, fundado em novembro de 1935, o clube teve várias sedes, se mudando entre bairros e imóveis no Centro, até que, em 1947, conseguiu adquirir a casa de número 106, na rua Santa Clara, no coração de Sorocaba. Em seus tabuleiros, já se sentaram personalidades sorocabanas e mestres do jogo. Atualmente, a cidade tem seis mestres, quatro deles ativos no clube. Entre esses mestres, a única mulher é Regina Bonfim, diretora e uma das jogadoras mais importantes da história da cidade. Mestre Internacional Fide (uma espécie de Fifa do xadrez), foi ela quem falou sobre as necessidades do clube: “O XCS precisa de ar-condicionado, principalmente no verão, quando lota e fica muito quente. Além disso, precisamos adquirir o prédio ao lado, o que permitirá triplicar o espaço do clube”.
O clube organiza torneios mensais, com um limite de 63 jogadores, pois há espaço apenas para 31 mesas. Expandir, mais do que um luxo, é uma necessidade já que o esporte está em crescimento, principalmente entre os mais jovens. Até o enxadrista mais novo já sabe que cada peça tem seu valor. E cada pequeno peão pode se tornar a peça decisiva. A chegada à última linha o promove a qualquer peça. A vitória pode estar a um peão de distância. O presidente do XCS, Leandro Formes de Arruda, mestre nacional, falou sobre o funcionamento do clube, que oferece aulas de xadrez e damas, além de manter uma grande biblioteca com mais de 500 livros, disponíveis para os sócios e para todos os enxadristas sorocabanos.
As antigas peças de xadrez, algumas presentes há décadas nas mesas do clube, testemunharam grandes conversas. Prefeitos, historiadores, médicos, poetas, todos passaram pelas mesas do XCS, além, é claro, de grandes mestres do jogo. Mario Sergio Bueno de Miranda relembra com saudade sua chegada a Sorocaba: “A primeira coisa que fiz quando cheguei à cidade, em 1978, foi me filiar ao XCS e ao Gabinete de Leitura. Fui recebido como família; me integraram a esta cidade”. Mario exibe com orgulho sua carteirinha, que data de 1990. Na época, ele já tinha 12 anos de clube. Hoje, são 47.
Além dos torneios mensais organizados pelo clube, em diversos formatos e ritmos — como os longos e profundos pensados, os rápidos, e até torneios em duplas — os sócios do XCS viajam constantemente para disputar campeonatos em outras cidades. Praticamente todos os fins de semana, viagens são organizadas, muitas vezes com transporte cedido pela Prefeitura de Sorocaba.
Quase sempre, Sorocaba é premiada como a maior delegação. Os troféus conquistados pelos jogadores se empilham nas estantes; alguns são guardados na biblioteca, por falta de espaço nas prateleiras. Além dos troféus, fotos de grandes jogadores mundiais e locais também enfeitam o clube.
Nem só de passado
Se engana quem pensa que o jogo é dominado apenas por jogadores mais velhos, que exibem rugas e cabelos brancos — muitos deles, talvez, causados pelo próprio xadrez. É só subir as escadinhas da entrada para se surpreender com dezenas de crianças espalhadas pelas mesas, jogando partidas rápidas, organizando torneios amistosos, ensinando umas às outras. E o treino mostra resultados: as crianças jogam de igual para igual com qualquer jogador, inclusive com os mestres.
A popularização recente do xadrez tem sido um fenômeno global, impulsionado por uma combinação poderosa de streaming, educação e eventos inovadores. A pandemia de Covid-19 acelerou esse movimento, catapultando plataformas como Chess.com e Lichess, que viram um salto nas horas assistidas — de 3,7 milhões em março de 2020 para cerca de 17 milhões em março de 2021, na Twitch. No Brasil, o crescimento foi ainda mais expressivo: o número de torneios registrados pela Confederação Brasileira de Xadrez (CBX) passou de 545 em 2018 para 632 em 2022.
O jovem Davi Santos Poldo, 12 anos, pratica o jogo há pouco mais de um ano. Mesmo com pouco tempo e com a tenra idade, ele se mostra muito lúcido quanto ao jogo e afirma: “O xadrez é uma arte. Não existe uma partida feia; existem partidas mais lindas do que as outras”.
Mais do que um espaço físico, é a essência do clube que merece crescer: um lugar onde gerações se encontram, onde mestres e iniciantes dividem o mesmo tabuleiro, onde o respeito vale mais que a vitória. Como resume um dos sócios mais antigos, Luis Antônio Setti de Almeida Filho: “O Xadrez Clube é do povo de Sorocaba, pessoas de todos os níveis sociais, de todas as crenças religiosas e políticas. Lá dentro, são todos iguais. Anônimos, famosos, pessoas notáveis. Nunca se discutiu dentro do clube”.
Ampliar o clube é como rocar no momento certo: proteger o rei e preparar o ataque. Uma jogada que reforça a base e abre caminhos. Porque é ali, no silêncio dos tabuleiros, que Sorocaba encontra equilíbrio entre gerações, ideias e histórias. Tudo começa com o primeiro peão e, ali, todos são iguais diante do jogo. (Vernihu Oswaldo)