Buscar no Cruzeiro

Buscar

Esportes

Recordista, Beth Gomes supera ausência no Rio por sonho em Tóquio

Natural de Santos (SP), Beth compete na classe F52, uma das oito voltadas a cadeirantes nas provas de campo

13 de Agosto de 2021 às 10:36
Agência Brasil
14/11/2019 - Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, Emirados Árabes - Lançamento de Disco - F53 - Elizabeth Gomes.(Crédito:  Daniel Zappe/Exemplus/CPB)
14/11/2019 - Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, Emirados Árabes - Lançamento de Disco - F53 - Elizabeth Gomes.(Crédito: Daniel Zappe/Exemplus/CPB)

Quando Beth Gomes aparece entre as competidoras do lançamento do disco, é quase certo que um novo recorde mundial paralímpico está a caminho. Foi assim nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru), no Mundial de Dubai (Emirados Árabes Unidos), ambos em 2019, e na seletiva da seleção brasileira de atletismo da Paralimpíada de Tóquio (Japão), em junho.

Nesta última, em São Paulo, a lançadora de 56 anos, que já estava com a vaga nos Jogos garantida, bateu o próprio recorde duas vezes, cravando 17,41 metros. A marca supera a de Dubai em mais de meio metro (52 centímetros).

Natural de Santos (SP), Beth compete na classe F52, uma das oito voltadas a cadeirantes nas provas de campo (lançamentos de disco e dardo e arremesso do peso). A categoria reúne atletas sem controle de tronco e com deficiência nos membros superiores. A principal adversária na disputa pelo topo do pódio é a ucraniana Iena Lebiedieva, da classe F53, uma acima da paulista (portanto, com menor comprometimento motor que ela).

"Cada competição é uma surpresa para nós. Eu entro na prova para fazer o meu melhor e os recordes têm vindo. É fruto do trabalho, da evolução. Minha treinadora, a Roseane Farias, é uma pessoa que é tudo na minha vida e contribuiu muito para eu chegar a esse ápice na carreira. Sei que a esclerose múltipla, minha patologia, causa muito impacto e fadiga, então, a cada treino, venho me superando. Elas, lá fora, também estão treinando para fazer um bom papel. Cada quebra de recorde passa a sensação de ter uma grande chance, mas tenho que ter as rodas da cadeira no chão", projetou Beth.

Apesar de os Jogos de Tóquio serem os primeiros em que disputará medalhas no atletismo, Beth teve o gostinho de competir no maior evento paralímpico do planeta. Em 2008, a paulista integrou a seleção de basquete em cadeira de rodas na Paralimpíada de Pequim (China). A modalidade foi a que introduziu a hoje lançadora no movimento paradesportivo em 1996, três anos após ser diagnosticada com a esclerose múltipla.

"Naquela época, era o basquete que inseria as pessoas com deficiência no esporte. Foi uma experiência inacreditável ser convocada à Paralimpíada. Na abertura, quando adentrei o Ninho de Pássaro [estádio que recebeu a cerimônia], eu me beliscava para ver se era um sonho. Agora, os Jogos são em outra modalidade. É muita adrenalina, um friozinho na barriga. Quero que meu disco vá o mais longe possível", emocionou-se.

Simultaneamente ao basquete, porém, Beth já vivenciava o atletismo. Foi corredora em cadeira de rodas e representou a cidade de Santos (onde é guarda-civil municipal reformada) nos Jogos Regionais e Abertos do Interior, este último o principal torneio poliesportivo amador do país. As provas de arremesso e lançamento entraram de vez na rotina em 2006.

"Meu treinador sugeriu que fizéssemos as provas de campo, que poderíamos trazer mais pontos para a cidade nos Jogos. Aceitei o desafio. Comecei a treinar junto com o basquete e consegui trazer resultados. As provas de campo se tornaram uma outra paixão", contou a santista, que deixou o basquete em 2010 para se dedicar integralmente ao atletismo a partir do ano seguinte, tendo como inspiração a campeã paralímpica Rosinha Santos, ouro no arremesso de peso e no lançamento de disco na Paralimpíada de 2000, em Sydney (Austrália).

Resiliência

A princípio, a estreia paralímpica de Beth no atletismo seria nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, no arremesso do peso. Meses antes, porém, a santista teve de passar outra vez por uma classificação funcional (processo que categoriza o atleta conforme o grau da deficiência) devido à esclerose ser uma patologia degenerativa. Na ocasião, ela integrava a classe F54, mas foi realocada na classe F55, ao lado de lançadoras com menor comprometimento.

"Eu era cotada para medalha [na F54], mas a classificadora me jogou na F55, onde as atletas têm todo o movimento dos membros superiores e de tronco. No caso, eu já tinha uma das minhas mãos em garra, sem controle de tronco. O CPB [Comitê Paralímpico Brasileiro] contestou, mas não só não atenderam como colocaram para minha classificação não ser alterada por dois anos. Se tivesse a prova do peso na F55, ainda era cotada a medalha. Mas só tinha o disco, onde o índice era muito alto. Fiquei fora. Foi uma frustração grande, não acreditava no que estava acontecendo. Mas Deus sabe de todas as coisas e hoje estou com a vaga", relembrou a paulista, que foi inserida na classe F52 após sofrer um surto da esclerose em 2017, que afetou ainda mais as duas mãos, ambas em garra.

Não foi a primeira vez que Beth teve de mostrar resiliência para encarar adversidades. A própria descoberta da patologia, aos 28 anos, atingiu uma das grandes paixões, o voleibol, que começou a praticar aos 14 anos, ainda na escola.

"Naquela época, diziam que a pessoa com esclerose não podia fazer esforço, academia, nada. Fui até estudo de laboratório, porque, mesmo com a esclerose, fazia meus treinamentos pesados e competia, sempre respeitando muito meu corpo. Com isso, caiu esse protocolo de que portador de esclerose não podia fazer exercício. Foi uma grande conquista. O esporte colabora e ajuda muito pessoas com esclerose múltipla, tirando do sedentarismo. Lógico, acompanhado de um educador físico", disse a atleta, que defende a equipe Fast Wheels, de Santos.

Beth convive há 28 anos com a patologia e se orgulha de dizer que não a deixa vencer. Para ela, viver um dia de cada vez não significa não pensar adiante. Tanto que já pensa, também, em competir na Paralimpíada de Paris (França), daqui a três anos.

"Quero chegar lá nem que seja para anunciar minha aposentadoria. Quero chegar plena, com ótimas condições. Como diz a minha treinadora: 'Fica até os 70 anos no atletismo e depois a gente vê' [risos]. Enquanto tiver força, saúde e querer viver, correrei atrás dos meus objetivos e meus sonhos. Paris é logo ali e, se Deus quiser, nos meus 60 anos estarei lá", concluiu.