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Próximo presidente enfrentará pressão dos mercados e urgências sociais

01 de Outubro de 2018 às 10:57

eleição novo presidente Novo presidente eleito enfrentará pressão dos mercados - Foto: Mauro Pimentel/AFP

O próximo presidente do Brasil enfrentará desde o primeiro dia de mandato uma enorme pressão dos mercados para prosseguir com a política de ajustes fiscais, em um País com cerca de 13 milhões de desempregados e boa parte da população com carências sociais de todos os tipos.

"Por um ajuste justo com crescimento compartilhado" é o título de um relatório do Banco Mundial apresentado aos 13 candidatos das eleições de 7 de outubro, com uma lista de recomendações que parecem um tanto ilusórias diante da extensão da crise econômica, política e de segurança que põe à prova a credibilidade desta jovem democracia.

Segundo o relatório, o Brasil "enfrenta três desafios principais: seu grande desequilíbrio fiscal, a falta do crescimento sustentado da produtividade e a dificuldade de oferecer serviços públicos básicos".

O Brasil tem "uma parte da população que ainda está no século XIX e outra que já está no século XXI. A gente não pode esquecer" da primeira, que vive sem saneamento básico, tem níveis de educação muito baixos e enfrenta "níveis de violência que são de guerra", afirma Marcelo Neri, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (2013-2015) e atual diretor do centro de políticas sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social).

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Neri defende um "caminho do meio" entre quem preconiza a austeridade para fechar os déficits deixados por dois anos de recessão (2015 e 2016) e outros dois de crescimento fraco e os que pensam que essa receita pode acabar de matar o paciente.

O endividamento do Estado passou de 56,3% do PIB no fim de 2014 a 77%,3 em agosto deste ano e, segundo as projeções do BM, esse nível se estabilizará se o Brasil conseguir um improvável crescimento econômico de 4% por ano até 2030. Sem reformas estruturais profundas, a dívida poderia chegar a 140% do PIB, estima a organização internacional.

"Vender terreno na Lua"

O presidente Michel Temer congelou os gastos públicos durante 20 anos, entre outras medidas de austeridade, mas deixou pendente a delicada reforma da previdência, considerada pelos mercados como a pedra angular do saneamento das contas. O projeto impõe uma idade mínima de aposentadoria (atualmente existe a possibilidade de se aposentar com base nos anos de contribuição) e unifica o regime do setor privado e dos funcionários públicos, mais vantajoso. O governo o apresenta como uma tentativa de "reduzir as desigualdades".

Essa reforma "é importante, mas não é suficiente. O déficit fiscal é muito pior que isso", alerta Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e atual presidente do Insper, um instituto de ensino e pesquisa nas áreas de administração e negócios. A maioria dos candidatos propõe algum tipo de reforma da previdência e de programa de contenção dos déficits, sem entrar demais em números que poderiam fazer com que perdessem votos.

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O candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas para o primeiro turno, preconiza uma transição para um sistema de aposentadoria por capitalização e uma redução de 20% da dívida pública "mediante privatizações, concessões" e a venda de propriedades da União.

O Partido dos Trabalhadores (PT) de Fernando Haddad, em segundo lugar nas pesquisas, propõe "interromper as privatizações" e afirma ser possível equilibrar as contas "a partir do retorno do emprego" e do combate à sonegação fiscal. O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin promete "eliminar o déficit público em dois anos" mediante privatizações e uma simplificação tributária.

É preocupante "uma campanha em que os problemas mais prementes são afastados do debate em troca de soluções que reproduzem o desastre que o País viveu nos últimos anos ou que prometem vender terreno na Lua", diz Marcos Lisboa. Para o economista, existem "possibilidades de construir uma solução negociada" para uma reforma da previdência e tributária, "mas falta uma agenda politica que consiga coordenar e definir prioridades".

'Mandela brasileiro'

Nesta campanha, a mais polarizada desde o fim do regime militar (1964-85), os dois favoritos são também os que têm o maior índice de rejeição, o que poderia ameaçar a governabilidade de quem tomar posse em 1º de janeiro de 2019. A crise, entretanto, continua destruindo rendas e vidas, no nono país mais desigual do mundo, segundo o índice Gini do Banco Mundial.

No fim de 2017, 23,3 milhões de brasileiros, de um total de 208 milhões, viviam abaixo da linha da pobreza, 6,27 milhões a mais (+33%) que no fim de 2014, segundo um estudo da FGV Social. O próximo presidente terá a tarefa titânica de tentar cicatrizar as feridas de uma população descrente em relação aos seus dirigentes, após anos de escândalos de corrupção.

O "país precisa ser integrado e acho que até agora as eleições não apontam para essa direção", comenta Marcelo Neri. Precisamos de "um Nelson Mandela, alguém que consiga perdoar e ter visão do país no futuro. Acho que isso é possível (...), mas não acho que seja simples", conclui. (Jorge Svartzman - AFP)

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