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Interferência na Petrobras derruba Bolsa

23 de Fevereiro de 2021 às 00:01

Iniciativa de Bolsonaro derruba Bolsa Turbulência no mercado financeiro causou perda de R$99,6 bilhões na Petrobras em dois dias. Crédito da foto: Mauro Pimentel / AFP (22/2/2021)

A intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras, com a exigência de troca no comando da petroleira e reclamações sobre a alta no preço dos combustíveis, provocou forte turbulência no mercado financeiro e acabou respingando nas demais estatais. O risco de um intervencionismo maior e adoção de medidas populistas fizeram as ações das três principais estatais do País (Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras) perderem R$ 113,2 bilhões em dois dias -- o que equivale a quase o valor de um BTG Pactual, segundo dados da consultoria Economática.

Só na Petrobras a queda foi de R$ 99,6 bilhões. As ações da empresa, que já tinham caído quase 8% na sexta-feira, despencaram 20,48% (ON) ontem e podem manter o desempenho negativo nos próximos dias. Pelo menos seis casas rebaixaram a recomendação para as ações e reduziram o preço-alvo da companhia para os próximos 12 meses. No Banco do Brasil, o valor de mercado recuou R$ 12,6 bilhões em dois dias e, na Eletrobras, quase R$ 900 milhões.

Nesse cenário, com as principais ações do Ibovespa em queda, a B3 recuou 4,87% no pregão de ontem, a maior queda para um único dia desde 24 de abril do ano passado, quando o ex-ministro Sergio Moro deixou o governo em meio a denúncias de tentativa de intervenção do presidente na Polícia Federal. A Bolsa paulista perdeu quase 6 mil pontos e fechou em 112.667 pontos -- o menor patamar desde 3 de dezembro.

O dólar também sofreu com o mau humor dos investidores e subiu 1,27%, para R$ 5,45. Na máxima do dia, chegou a bater R$ 5,53, o que exigiu atuação do Banco Central (BC) para acalmar os ânimos. No total, vendeu US$ 3,6 bilhões e ajudou a dar certo alívio à moeda. Outro efeito das incertezas com a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da Petrobras foi o avanço do contrato de credit default swap (CDS), que mede o risco do País. O CDS subiu 11% em relação ao fechamento de sexta-feira, para 163,25 pontos.

Na opinião de especialistas, o discurso de Bolsonaro nos últimos dias fez lembrar as medidas de intervenção adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff no setor elétrico em 2013 e que provocaram prejuízos bilionários para as empresas e toda a sociedade. Pior: jogou por terra mais uma promessa feita durante a campanha eleitoral.

“Para o mercado, a decisão do presidente é uma decepção. A agenda de privatização não foi adiante, e a anticorrupção também não”, diz o presidente da RB Investimentos, Adalbero Cavalcanti. Do ponto de vista econômico, diz ele, a alta do dólar por causa da turbulência financeira pode ter um reflexo inflacionário tão danoso quanto a alta dos combustíveis.

Na avaliação do economista da Tendências Consultoria Integrada, Silvio Campos Neto, todos esses ruídos geram um ambiente de imprevisibilidade e afetam as decisões de investimentos. Para ele, as preocupações surgidas nos últimos dias só devem se dissipar um pouco se houver algum avanço nas decisões sobre o novo auxílio emergencial.

Política na Petrobras ’só tem um viés’, diz presidente

O presidente Jair Bolsonaro negou nesta segunda-feira, 22, que exista em curso uma interferência sua na Petrobras, mas voltou a deixar clara sua insatisfação com a política de preços adotada pela estatal. Na sexta-feira, Bolsonaro indicou o general da reserva Joaquim Silva e Luna para substituir Roberto Castello Branco no comando da petroleira, o que gera um temor de ingerência sobre a empresa e afeta os papéis da estatal negociados no mercado financeiro.

Ao falar sobre a desejada troca na presidência da Petrobras, Bolsonaro afirmou que a política adotada na estatal “só tem um viés” e que isso tem alegrado “alguns do mercado financeiro” por “atender os interesses próprios de alguns grupos”.

“Não será reconduzido (Castello Branco). Qual o problema? É sinal que alguns do mercado financeiro estão muito felizes com a política que só tem um viés da Petrobras, atender os interesses próprios de alguns grupos, nada mais além disso”, disse Bolsonaro ontem de manhã a apoiadores.

Indicado para presidir a estatal, Silva e Luna disse ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) acreditar que é necessário “equilibrar as atenções” entre os interesses de acionistas e investidores da empresa e os da sociedade.

“Falam em interferência minha. Baixou o preço do combustível? Foi anunciado 15% no diesel, 10% na gasolina. Baixou o porcentual? Não está valendo o mesmo porcentual? Como que houve interferência? O que eu quero da Petrobras, exijo, é transparência e previsibilidade”, disse Bolsonaro.

Apesar de afirmar que “ninguém vai interferir” na política de preços da estatal, Bolsonaro questionou a metodologia de reajuste da Petrobras, que, para o presidente, “precisa ser explicada”. “Eu não consigo entender num prazo de duas semanas ter um reajuste no diesel em 15%. Não foi essa a avaliação do dólar lá fora, do dólar aqui dentro, nem do preço do barril lá fora. Então tem coisa aí que tem que ser explicada. Eu não peço não, exijo transparência de quem é subordinado meu. A Petrobras não é diferente disso aí”, afirmou Bolsonaro, que também contestou a política salarial do alto comando da petroleira. (Renée Pereira, Luís Eduardo Leal, Cynthia Decloedt, Altamiro Silva Junior e Amanda Pupo - Estadão Conteúdo)