Cartas entre escritores se sobressaem na Flipelô

Correspondência de Jorge Amado com Dias Gomes é mostrada em livro lançado na Festa Literária de Salvador

Por Cruzeiro do Sul

Os dois escritores mantiveram ao longo da vida a troca de cartas sempre com carinho mútuo e bom humor

A tradicional “Festa Literária Internacional do Pelourinho 2025” — a Flipelô - chega ao seu final hoje (10), em Salvador, na Bahia, e um de seus destaques ficou para o lançamento do livro “Cartas - Dias Gomes/ Jorge Amado”.

“Responder a uma carta é um gesto de amizade”, era o que dizia o escritor baiano Jorge Amado à filha, também escritora, Paloma Jorge Amado. E como era amigo de muitas pessoas, Jorge Amado - autor de “Gabriela, Cravo e Canela”, “Jubiabá”, “Capitães da Areia” e “Tieta do Agreste”, entre outros, nunca deixou de responder a uma carta e nem de guardar as milhares de correspondências que recebeu durante sua vida.

“Jorge Amado tinha uma preocupação extraordinária em guardar. Tanto que muitas cartas trazem escrito, logo acima, as palavras guardar ou arquivar. Ele tinha cuidado com o acervo, que passou para a fundação. A gente trabalha nele há muitos anos. E é um acervo delicado, porque há coisas que não podem ser abertas, por serem muito pessoais”, explicou Bete Capinan, coordenadora editorial da Fundação Casa de Jorge Amado.

Parte do material já foi transformado em livro, como as cartas trocadas entre ele e o escritor português José Saramago e com o cineasta Glauber Rocha. Mas, agora, a Fundação resolveu se debruçar ainda mais sobre o material, e criar uma coleção de livros que serão publicados pela Casa de Palavras, braço editorial da fundação.

Lançamento

O primeiro livro da coleção foi lançado na quinta-feira (7), no Palacete Tira-Chapéu, durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador. Com o título de “Cartas: Dias Gomes Jorge Amado”, o primeiro livro apresenta cartas que foram trocadas entre Jorge Amado e o autor de telenovelas e escritor também baiano Dias Gomes - que escreveu para a TV novelas de sucesso, como “Irmãos Coragem”, “O Bem Amado”, “Roque Santeiro” e “Saramandaia” -, que é o homenageado desta edição da famosa festa literária.

“Esse é o livro que dá início à Coleção ‘Um Gesto de Amizade’. A gente pretende publicar outros”, disse Angela Fraga, presidente da Fundação Casa de Jorge Amado, instituição responsável pela realização da Flipelô.

Segundo Ângela Fraga, presidente da Fundação Casa de Jorge Amado, o livro de Dias e Jorge apresenta uma correspondência muito leve, porque é uma correspondência realmente entre amigos. “Numa época em que não existia e-mail e em que até o telefone era difícil, eles realmente se correspondiam muito”, disse.

Os próximos livros a serem publicados, desta coleção, são as correspondências trocadas entre seu pai e os escritores Érico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade e João Ubaldo Ribeiro. O livro com João Ubaldo pode ter cerca de 400 páginas, de tanto material que conseguiram reunir.

Ironia

“Caro compadre. Você concedeu-me o mais eufórico despertar de toda a minha vida, ao telefonar-me, há poucos dias, às 8h da matina, para elogiar meu despretensioso romance, Decadência. É bem verdade que, no generoso propósito de me estimular, você pode estar fazendo um grande mal à literatura brasileira, incitando-me a cometer outros”, escreveu Dias Gomes, em junho de 1995, a Jorge Amado.

O pequeno trecho inicial da carta já apresenta um dos estilos mais característicos de Dias Gomes: a ironia, que foi também muito utilizada em várias de suas telenovelas exibidas na Rede Globo, como Roque Santeiro e O Bem Amado. Essa característica peculiar de Dias Gomes é também uma grande lembrança para sua neta, Tatiana Dias Gomes, que está participando da homenagem ao avô na Flipelô.

“Eu achei o livro lindo, que mostra uma amizade profunda. E a gente vai vendo essa amizade se aprofundando cada vez mais. Ao ler as cartas do meu avô, isso me deu muita saudade, porque vi ali o jeitinho dele falar: seu humor e seu jeito irônico e debochado.”

Pais e filhos

Nas cartas, Dias Gomes e Jorge Amado falavam sobre livros, novelas, censura de obras, viagens e até indicação para a Academia Brasileira de Letras. Mas um tema específico chamou a atenção de quem leu: a Disney.

“As conversas são deliciosas. Tem um trecho do Dias Gomes contando para Jorge Amado que ele estava indo para a Disney levar a filha Mayra e que ele nunca pensou que, como comunista, ele iria para a Disney”, disse Bete Capinan, a coordenadora editorial da seleção dos documentos.

O trecho em que cita a viagem para a Disney fez a neta Tatiana rir, já que seu avô era um ferrenho comunista. “Eu lembro que ele gostava muito de ir para a Disney e a gente achava isso engraçado, porque ele se divertia muito. Ele falava: nossa, lá eu viro criança.”

E é exatamente isso que Dias Gomes escreve na carta a Amado: “A verdade é que na Disney, os pais se divertem muito mais que os filhos. Todos temos, afinal, uma criança dentro de nós”.

A Flipelô prossegue vai até este domingo (10), no centro histórico de Salvador, com programação inteiramente gratuita. (Da Redação, com Agência Brasil)