Livro de Carlos Cavalheiro resgata pontos de memória da cidade

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Na fachada do prédio dos Correios, a placa sobre abolição passa despercebida. Crédito da foto: Divulgação

O escritor Carlos Cavalheiro lançará “Tá vendo aquele edifício, moço?” e “Ergástulo” - Foto: Erick Pinheiro (07/02/2019)

Uma placa logo na entrada do prédio dos Correios, no centro de Sorocaba, resiste ao tempo e também à indiferença de quem passa por ali. Não por puro descaso, mas porque não é notada devido a um obstáculo que a esconde, no caso uma planta. Qualquer um imaginaria que se trata da placa de inauguração dos Correios. No entanto, aquele é um marco comemorativo ao Centenário da Abolição. Na placa constam os nomes de quem libertou os últimos 460 escravos existentes na cidade, em 1887, ou seja, antes da Lei Áurea. Conforme o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro, que pesquisou Sorocaba e seus lugares de memória visíveis, invisíveis e ocultos, esse seria um exemplo de ponto de memória oculto -- daqueles pelos quais as pessoas passam e nem sabem do que se trata. Carlos fala sobre o tema no livro “Tá vendo aquele edifício, moço?” que será lançado no domingo, dia 10, das 14h às 18h, na Feira do Beco do Inferno.

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A pesquisa de Carlos, que durou dois anos, é resultado de sua dissertação para o curso de mestrado em Educação na UFSCar de Sorocaba, concluído em 2017. Conforme ele, a sua tese já tinha sido publicada em livro pela editora Novas Edições Acadêmicas, em 2018. A versão atual recebeu tratamento editorial que procurou popularizar o texto, aliviando-o do aspecto de produção acadêmica.

Na fachada do prédio dos Correios, a placa sobre abolição passa despercebida - Foto: Divulgação

Carlos saiu a campo e percorreu diversas ruas da cidade, se dedicando à observação de seus marcos históricos e classificou os pontos de memória conforme descrito no início desta reportagem. De acordo com ele, que já citou um ponto de memória oculto, há também os pontos invisíveis. E qual a diferença? No caso do oculto, a gente não vê o marco histórico devido a algum obstáculo ou falta de indicações. Já o ponto invisível se refere a algo que não existe mais, no entanto há registros sobre ele em livros, jornais, filmes, memória viva das pessoas ou fotografias que ainda sustentam essa recordação. Como exemplo de ponto invisível, Carlos fala da igreja de Santo Antonio, que ficava perto do Mercado Municipal. “Enquanto ela for lembrada pelas pessoas, sua memória permanece”, afirma.

Já com relação aos pontos de memória visíveis e decifráveis, destaca-se a estátua de Baltasar Fernandes. Esse monumento, observa o historiador, está em um ponto muito estratégico da cidade, o que faz também pensar que existem alguns marcos mais evidentes do que os outros e isso pode ser uma questão de escolha.

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A estátua de Baltasar Fernandes é um ponto de memória visível - Foto: Divulgação

A análise da cidade e do uso dos espaços urbanos não passa despercebida nessa pesquisa, que aprofunda questões relacionadas à Cidade Educadora, ao direito à cidade e à valorização do patrimônio histórico e cultural, bem como fala sobre as intervenções urbanas realizadas por artistas. No caso das intervenções, Carlos lembra da imagem de uma operária que foi colada em um muro onde antigamente funcionava uma Vila Operária. A intervenção urbana foi feita pela artista Flávia Aguilera, como forma de lembrar sobre as mulheres que trabalhavam nas fábricas. “A própria Feira do Beco do Inferno pode ser considerada um ponto de memória invisível porque ela resgata o nome de uma rua de Sorocaba”, afirma.

“Tá vendo aquele edifício, moço? -- lugares de memória, produção da invisibilidade e processos educativos na cidade de Sorocaba” poderá ser adquirido por R$ 30.

“Ergástulo”

Na oportunidade, Carlos Cavalheiro também lançará “Ergástulo”, seu primeiro livro de poesias. Exatamente 30 anos separam a obra dos primeiros poemas escritos por Carlos, ainda na adolescência. Na época, ele estava se conhecendo como escritor e tornou-se colaborador assíduo dos jornais da cidade, que tinham espaço para poesias, como o Cruzeiro do Sul e o Diário de Sorocaba, além dos jornais culturais Pedaços, iniciativa do escritor Valdecy Alves, e Folha da Cidade e Sepé Tiaraju, de Carlos Muniz, Mozart Araújo e Cláudio Rangel.

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A intervenção urbana de Flávia Aguilera lembra as mulheres operárias - Foto: Divulgação

O tempo foi passando e Carlos, que na época tinha 15 anos e ainda estava no colégio, formou-se, foi fazer faculdade de História e descobriu sua vertente como pesquisador. Vieram então as publicações em livro voltadas a essa área, somando 26 títulos, e a poesia ficou para depois. “Os assuntos de história não são apenas para um público específico, a rigor interessam a todos que residem em Sorocaba ou têm ligação com a cidade”, diz, sobre o motivo de ter adiado a publicação das poesias. Muitas delas, conta, foram “testadas” com participação e, consequentemente, premiação em concursos. Como se trata de conteúdo pessoal, existe o receio de saber como os versos serão recebidos pelo público e isso proporcionou a Carlos uma segurança maior para reunir o material em livro.

Aliás, quem assina o prefácio é o poeta e ativista cultural Valdecy Alves, que criou em Sorocaba o Disque Poesia, na década de 1990, e há anos mora no Ceará: “em cada verso, muitas vezes versos de uma só palavra, um rio, um fluxo do tempo, vai-se à poesia viva de Carlos Carvalho Cavalheiro, anunciando a tudo e a todos, leito abaixo, que mais na frente se encontra o mar. Sim, anuncia a cada avançar centimétrico: -- o mar existe além!”.

“Ergástulo”, explica, foi a palavra escolhida para o título, por significar prisão. “Quem não se sente aprisionado ou obrigado a conviver com coisas que não lhe agradam?”, questiona. O livro reúne poemas escritos desde a década de 1990 até os dias atuais. Estão datados e alguns possuem notas. “Ergástulo” tem 100 páginas, foi publicado pela Editora UNY, de Rio Claro, e teve como ilustração de capa um desenho de Luiz Fernando Gomes. A obra será vendida por R$ 25.