Grandeza

Por Cruzeiro do Sul

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A gente vai criando umas implicâncias meio bestas com o passar dos anos. Não sei se acontece com você, mas comigo a coisa acelerou bastante nos últimos tempos. Quando estava na casa dos trinta, eu olhava torto para poucas coisas.

Tenho na cabeça uma lista das chatices da vida. Não é algo minuciosamente organizado, hierarquizado. Às vezes um item sai e outro entra. A vida é dinâmica.

Hoje, quando escrevo este texto, posso cravar que carro grande é uma irritação mastodôntica. Aguardo sofregamente que alguém capacitado escreva um ensaio antropológico a respeito da vida dos que optaram pelo carro grande. Eu, que sou raso pra caramba, tenho a convicção de que tem muito cachorro nesse mato. Por enquanto, contentemo-nos com as reclamações de um cronista rabugento.

Tenho para mim que o carro grande incomoda em movimento e parado. Só com esses dois aspectos dá para sentir o drama. Deixarei de lado os impactos ambientais e a dimensão psicanalítica do imbróglio.

Não estou abastecido de estatísticas refinadas, mas acho que percebo razoavelmente bem o meu entorno. É por isso que posso dizer que o carro grande, em movimento, é um transtorno. Convido o leitor a tirar a prova. Muitas vezes os carros grandes transitam agressivamente. Falando assim, dá a impressão de que estamos diante de máquinas agressivas.

Claro que estou querendo dizer que quem dirige o carrão é que resolve voluntariamente fazer barbeiragens. Quase sempre são pessoas que, em condições normais de temperatura e pressão, dirigiriam cordialmente pelas ruas do nosso distinto município. O carrão faz aflorar os piores instintos.

A mudança de faixa nunca é suave: sempre tem que ter uma cantada de pneu. Há a necessidade de se colar na traseira do carro que está à frente, a 1 centímetro de haver uma colisão. Essas atrocidades são cometidas, a gente olha pro motorista e reconhece imediatamente a expressão de desafio em seu semblante. Aquela pessoa julga ser uma guerreira urbana.

Há quem diga que quando estamos parados, na nossa, somos inofensivos. Pode ser, mas não é o que ocorre com os carrões. Moro num prédio que já tem algumas décadas. Uma explicação para os mais novos: já havia carro nos anos 80. Sempre é bom lembrar. Só que nas priscas eras os carros tinham tamanhos razoáveis. Pense no Gol, no Escort, no Monza. Os carrões daquela época Opala, Santana, Del Rey seriam acanhados perto dos de hoje. Ora, se moro num prédio construído nos anos 80, com vagas de garagem projetadas para os carros daquela época, sabemos do sururu que temos de aguentar hodiernamente. Fazer manobra é um horror porque muitos carros têm extrapolado os limites de suas vagas. Dispenso esse tipo de aventura.

Tem gente que diz que a prosperidade de uma sociedade pode ser medida pela quantidade de carrões desfilando pelas ruas. Para mim, é o contrário. A proliferação de carrões é o sinal de que o tecido social está tristemente esgarçado.