Nelson Fonseca Neto
Cimento
O João Pedro é vidrado nos desenhos do “Mundo Bita”, e num desses desenhos, chamado “Insetos”, toca uma musiquinha que diz “há insetos por todos os lados”. Nessas horas eu sempre penso: “nem me diga”. Não chego a ter chilique quando vejo um grilo, mas não lido bem com a maioria dos insetos.
Com aquelas formigas pequenininhas, tudo bem. Elas fazem parte da nossa experiência urbana. Não é muito comum, mas de vez em quando aparece um grilo aqui no apartamento. Fico meio sobressaltado. Não sou dos que saem matando os bichinhos numa boa. Pego um papel higiênico e devolvo o grilo à tão sonhada liberdade.
Aí eu leio que alguns lugares estão infestados de escorpiões. Escorpião é meio que bater abaixo da cintura. Não basta ser um inseto avantajado: ele é venenoso. Imagino o terror de ter de lidar com essas criaturas. Imagino só um pouco, pra falar a verdade. Melhor segurar a onda do masoquismo.
É por essas e outras que sempre me deslumbro com a diversidade humana. Conheço gente que — voluntariamente, pagando caro — vai se enfiar no meio do mato. Fico pensando no tanto de inseto que dá nesses lugares. Escorpião deve ser fichinha. Mais de uma vez ouvi relatos de amigos dizendo que, quando chegaram ao casebre no meio do nada, deram de cara com uma aranha parruda.
Reconheço que sou urbano até meu último fio de cabelo. Tenho amigos que moram pros lados do Ibiti. Aquilo ali, pra mim, é zona rural remota. Sempre tenho vontade de perguntar: como vocês conseguem dormir com a barulheira dos grilos? E o barulho assustador das cigarras?
(Falando em cigarras: passei grande parte da minha vida sem saber como era uma cigarra. Eu só a conhecia pelo barulho. Juro que não estou brincando: eu achava que a cigarra era uma formiguinha barulhenta. Vai ver porque seus barulhos vinham do chão. Até que um dia eu estava no quarto aqui de casa e ouvi um barulho que parecia de alarme. E o barulho vinha da sala. Pensei: será que é algum alarme de incêndio? Olhei pela janela da sala. Nada. E o barulho ali, perto da minha cabeça. Olhei pra cima, era uma cigarra perto do vidro. Pai amado, a cigarra não é um tipo de formiguinha. A cigarra é grande pra burro. Não gritei de susto, mas saí correndo. Depois, restaurada minha dignidade, peguei uma vassoura e dei um leve toque no bicho. E assim restaurei a paz no lar.)
Sou urbano e mimado pelas comodidades da vida moderna. Moramos a meio quarteirão de uma conveniência 24 horas, a um quarteirão de uma padaria e de uma farmácia 24 horas, a quitanda é logo ali, e tem açougue na quitanda. Se esqueço de trazer o queijo pro lanche, é só andar alguns passos de volta. Como exigir que alguém acostumado a isso seja uma Crocodilo Dundee?
Quando alguém diz que passará alguns dias numa praia daquelas bem, bem afastadas, pergunto: e se você precisar de um antibiótico? E se você for atacado por uma serpente? Tem shopping perto? Tem cinema? Por conta dessas indagações, dizem que sou meio paranoico. Prudência mudou de nome.
Forçando a barra, posso me tornar suburbano: posso passar a noite numa chácara perto de Araçoiaba ou na Caputera. Isso se for com gente conhecida, que garanta que o lugar não é insalubre e tem TV a cabo e internet.
Nesses lugares, passo sobressaltado a madrugada, pensando com saudade no ronco da motoca perto de casa.