Nelson Fonseca Neto
Quem quer dinheiro? (Conto primeira parte)
Jonas, do nada, passa a dispor de 60 milhões de reais. Para seus padrões, dinheiro nunca mais será problema

O protagonista desta história: Jonas. 34 anos. Morador de uma cidade que cresceu velozmente nos últimos vinte anos. Funcionário público concursado. Solteiro. Salário que garante a sobrevivência e uma ou outra extravagância. Cumpre o expediente pensando nos poemas que escreverá do começo da noite até as primeiras horas da madrugada.
Jonas lamenta a aridez intelectual da sua cidade. É membro de um grupo que discute poesia. As discussões se dão em torno de poetas consagrados, brasileiros e estrangeiros, e de poetas do grupo. São encontros marcados pelo espírito amistoso e pela leitura atenta. Seria exagero chamar tais encontros de festas.
As conversas com os colegas poetas representam a única diversão de Jonas. Sozinho, antes de dormir, acalenta pensamentos de glória literária. Não espera o reconhecimento das multidões. Ele se contentaria com palavras elogiosas de um punhado de críticos literários consagrados. Faz parte do devaneio abrir mão do emprego maçante. Viver de renda e escrever sem freios.
Às vezes as súplicas são atendidas. No caso de Jonas, a grana vem primeiro. Seria tentador, neste momento, dourar a pílula e dizer que Jonas ficou rico por causa de um tio milionário, solitário, excêntrico e fazendeiro em Goiás. Seria tentador dizer que o tal tio morreu e deixou a herança para Jonas.
O problema é que Jonas não é personagem de romance inglês do século 19. Jonas tenta viver poeticamente, apesar do cotidiano modorrento e estreito. Mas Jonas não é de ferro, e joga semanalmente na Mega Sena. Um dia a sorte o visita, e ele divide uma bolada de 120 milhões com um cara de Valinhos. Ora, ora: os dois ganhadores do prêmio morando em cidades do interior de São Paulo? Não faltam pessoas desconfiando de armação.
O que importa é o seguinte: Jonas, do nada, passa a dispor de 60 milhões de reais. Para seus padrões, dinheiro nunca mais será problema. Precisamos ser justos com ele: seus sonhos com dinheiro nunca envolvem ostentação e luxos cafonas. Encara as coisas por um ângulo mais pragmático. Com dinheiro farto, ele não precisaria trabalhar. Não precisaria lidar com as glórias da burocracia. Não precisaria estar perto de pessoas que consideram literatura ocupação fútil e aborrecida.
Em sua primeira noite de homem rico, Jonas lida muito mais com aspectos práticos. Surpreende que um homem tão embrenhado nos encantos da poesia se mostre tão dado a questões concretas. Fica a lição: cuidado com os estereótipos. Mas estamos nos desviando da reta via.
Em sua primeira noite de homem rico, Jonas traça as estratégias para receber, incógnito, o prêmio. Não que tenha uma visão desabonadora da humanidade, encarando seus semelhantes como criaturas oportunistas ou aves de rapina. Não é bem isso. É mais uma questão de pudor mesmo. Jonas sempre foi mais inclinado ao minimalismo. Derramamentos retóricos o fazem torcer o nariz. Reage do mesmo jeito quando vê carrões, restaurantes caros e roupas de grife.
Jonas lida bem na missão de receber o prêmio sem despertar a atenção. Não entraremos nos detalhes, pois isto aqui é uma narrativa breve, e não um romance. Da posse do dinheiro, outra questão de ordem prática surge: como lidar com a dinheirama?
E é a partir deste ponto que Jonas se mostra um poeta das palavras e um poeta da vida.
(Continua na próxima semana)