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Nelson Fonseca Neto

A bela vida

No fundo, tudo é muito simples: tenho me afastado de algumas coisas, mas isso não faz de mim um virtuoso

11 de Março de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Nelson Fonseca Neto

Se me perguntassem o que é envelhecer, eu responderia: envelhecer é dar mais importância a coisas menores e menos importância a coisas maiores. Sei que estou entrando no terreno do melodramático ao afirmar uma coisa dessas. Ou entrando no terreno da autoajuda, o que seria lamentável. Vou tentar me explicar nas próximas linhas.

Já fui um leitor mais intenso das notícias de política e de economia. Eu gostava de entrar em debates ferozes sobre temas como inflação, taxa de juros e parlamentarismo. Anos atrás, eu gastava boa parte das minhas energias envolvido com essas coisas. Não vou dizer agora, do alto dos meus 44 anos, que aquilo tudo foi perda de tempo.

Não foi. Não foi por vários motivos. O principal deles: não acho bonito a gente lavar as mãos diante de discussões cruciais da nossa sociedade. Se a gente não se interessa por alguns pontos, alguém se interessa no nosso lugar. E aí não adianta se fazer de puro enquanto a raposa trucida as galinhas. Sempre importante lembrar: nós somos as galinhas.

Que o leitor desta coluna não pense que encontrará aqui a apologia da vida afastada de tudo e de todos. O que o leitor encontrará aqui é uma confissão que tenta ser honesta. Falo, neste espaço, do que acontece comigo. Às vezes, acho que exagero nas confidências. Outras vezes, acho que não. Escrever uma crônica semanal ao longo de todos estes anos cria uma relação de cumplicidade com o leitor. Parece papo de quem quer angariar elogios, mas é a verdade.

Várias das pessoas que acompanham esta coluna já disseram do que gostam e do que não gostam das coisas que escrevo. Ao terminar um texto -- e não tem como ser diferente --, penso: o que fulano X ou beltrana Y acharão disso? É a tal da cumplicidade que eu mencionei logo acima.

Dei essa volta toda para dizer que tento ser franco nestas palavras. Eu dizia que houve um tempo no qual eu me interessava pelo “grande noticiário”. Eu dizia também que não sou adepto do isolamento. No fundo, tudo é muito simples: tenho me afastado de algumas coisas, mas isso não faz de mim um virtuoso. Peço perdão pelas palavras a mais. Tudo poderia ter sido dito de forma mais enxuta. Paciência. Somos o que somos.

Quando eu disse lá no começo deste texto que envelhecer é enaltecer as pequenas coisas, reconheço que há margem para interpretações equivocadas. Por exemplo, que eu fico deslumbrado com cada minúsculo pedaço do meu cotidiano. Mentira. Seria insuportável tocar a vida assim. É a mesma coisa que exigir que um carro ande com a velocidade máxima o tempo todo.

Sou, fundamentalmente, um rabugento. Um rabugento quieto, é bom destacar. Não fico atormentando os cidadãos da minha cidade com broncas ou sermões. Acabam sobrando para as pessoas mais próximas os meus desabafos. Santas pessoas mais próximas!

Mas a vida sempre traz iluminações. Vou falar de uma delas, bastante recente. Sábado passado, a partir da dica de um amigo, fui a uma peixaria que vende salmão e atum frescos já cortados para sashimi. Quando voltei de lá, a Patrícia tinha preparado uns acompanhamentos deliciosos e tinha colocado vasinho bem pequenininho com uma plantinha bonitinha na mesa. Ela não precisava ter feito aquilo. Mas ela fez aquilo para tornar tudo mais belo. E tornou. Uma coisinha de nada acaba virando algo enorme. E fundamental. E eterno.

A vida tem dessas coisas boas.

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