Nelson Fonseca Neto
Híbrido
Descobri que sou um cara híbrido. Ou "flex", para soar mais atual. Sou jovem e sou velho. Depende das circunstâncias
Nelson Fonseca Neto
Já repararam que alguns atores e algumas atrizes parecem envelhecer num ritmo muito mais lento que o normal? Não estou falando dos casos evidentes de cirurgia plástica. A Patrícia e eu temos a nossa galeria: Márcio Garcia, Letícia Sabatella, Alessandra Negrini.
Imagino que vocês conheçam gente mais próxima que preserva a juventude no rosto mesmo avançando na casa dos 40, 50 e 60. Não estou aqui para fazer juízo de valor. Estou aqui para constatar. Um crápula pode muito bem ser o dono de uma fachada fresca e juvenil. Um sujeito digníssimo pode ter a face em ruínas.
Feita a importante ressalva, devo dizer que o meu rosto e o da Patrícia escondem o jogo. Já estamos bem encaminhados na casa dos 40, e muita gente diz que temos, no máximo, 33, 34 anos. Juro que não ficamos aqui em casa tramando tratamentos miraculosos ou dietas revolucionárias. Nós simplesmente aparentamos ser mais jovens do que a idade apontada na certidão de nascimento. Coisas da vida.
Perceber isso me fez perceber outra coisa. E assim o guerreiro que assina esta coluna inicia mais uma jornada introspectiva: descobri que sou um cara híbrido. Ou “flex”, para soar mais atual. Sou jovem e sou velho. Depende das circunstâncias.
Sou jovem quando vou cortar o cabelo e peço ao Edmílson algo mais “moderninho”. Resultado: “corte degradê”, bem batidinho na base e finalizado com um tope invocado, domesticado com gel.
Sou velho quando implico com gente que fala alto. Talvez exista algo chamado “berrofobia”. Se não existe, deveria existir. Faz tempo que a gritaria me incomoda, mas a coisa atingiu estatuto patológico de uns anos pra cá. (Amplio a implicância a outros barulhos: carro envenenado, escapamento de moto, música de barzinho, etc.)
Sou jovem quando tenho a sorte de poder trabalhar vestindo camiseta, jeans e tênis de corrida. Sou dos que olham torto para ceias natalinas inspiradas em países frios e para roupas de trabalho mais adequadas para cidades como Bruxelas ou Chicago. (Incorporei recentemente os tênis de corrida ao cotidiano. Recomendo. Não é pouca coisa passar várias horas seguidas dando aula para adolescentes. Coluna, tornozelo e joelho precisam da nossa misericórdia.)
Sou velho quando tenho pudor de dizer palavrão em público. Não que eu seja contra o palavrão. Às vezes, ele é fundamental. Mas só às vezes, em situações críticas. Ainda me espanto com os que enfiam um palavrão a cada três ou quatro palavras. Na euforia e na tristeza. Nos momentos cinzentos do cotidiano. Como eu disse: é uma questão de foro íntimo. Não fico catequizando ninguém por aí.
Sou jovem quando tenho a convicção de que música eletrônica é arte, sim, senhor. Aprecio sem moderação os “Kraftwerk” da vida. Admiro profundamente vários DJs.
Sou velho quando afirmo que o paraíso terrestre é a minha casa, com a Patrícia e o João Pedro por perto. E muito livro bom para animar a farra. Paraíso este que conta com a presença dos familiares e amigos mais chegados.
Sou jovem quando sei que as coisas não estão boas, mas que elas podem melhorar. Que não é fácil, mas dá pra mudar. Que a humanidade já passou por perrengues danados e foi encontrando saídas.
Sou velho quando mergulho com crescente volúpia no fundo lago do passado.
Sou jovem quando, com um filhinho de 3 anos, vejo um novo e fascinante mundo nascer todos os dias.