A festa (conto segunda parte)

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

Por Cruzeiro do Sul

Erra quem diz que todos os condomínios são iguais. Numa cidade em que esses empreendimentos pululam, há espaço para muitos gostos e bolsos. Desnecessário que a gente entre em detalhes a esse respeito. Nossa história precisa avançar.

O centro do nosso enredo é um condomínio que, em termos de poder aquisitivo dos seus moradores, ocupa o topo da pirâmide, se pudermos nos expressar assim. Ali estão algumas das famílias mais endinheiradas da cidade. As origens desses patrimônios são variadas, assim como a vida é variada. Não é o caso de fazermos um passeio panorâmico por esses aspectos financeiros neste espaço. Cada um toca a vida do jeito que julgar mais conveniente.

No condomínio da nossa historieta, há moradores antigos, que ocupam suas propriedades há quinze, vinte anos; e há os moradores mais recentes. Aqui, um comentário aparentemente fora do prumo se faz necessário: as novidades costumam ser assustadoras. E isso em diversas circunstâncias. Em narrativas ambientadas no Império Romano aparecem personagens mais velhas lamentando a decadência moral e material trazida no colo das gerações mais novas. Poderíamos sacar do bolso muitos outros exemplos, mas o espaço que temos é exíguo, e o leitor atento notará que sempre os mais antigos olham torto para os mais novos. Cremos que nos fizemos entender.

O processo que acabamos de descrever é encontrado, também, quando o assunto é a riqueza. A palavra “emergente”, usada em sentido depreciativo, serve para rotular pessoas que enriqueceram recentemente ou que encontram seu ganha-pão (ou ganha-picanha marmorizada, ou ganha-uísque caríssimo, ou ganha-celular de mais de dez mil reais) em atividades consideradas menos nobres. O que acabamos de escrever soará como futilidade aos ouvidos de muitos leitores, mas é assim que as coisas se dão.

A família que protagonizará nossa história acabou de construir uma mansão no condomínio mais rico da cidade. O nome dessa família aparecerá com a abreviação “T.” doravante. Não queremos ferir sensibilidades. Não queremos nos ver embrenhados em processos judiciários esmagadores.

A família T. enriqueceu fazendo honestos pastéis. Ousaríamos dizer: disparadamente, os melhores da cidade. Trabalho duro, honesto, competente e sagaz fizeram com que o quitute fosse a ponta de lança de um, com o perdão da palavra gasta, império. O termo que acabamos de usar soa como novela canastrona de televisão, sabemos disso, mas não encontramos algo mais expressivo.

Quando usamos a expressão “império do pastel”, não desejamos ser irônicos. Estamos, isso sim, sendo fidedignos. O pastel foi o responsável pela riqueza da família T.; assim, “império do pastel” é expressão justa e necessária. Jamais fazemos graça quando nos deparamos com trabalho lícito e suado.

Construir a mansão no condomínio, lamentamos dizer, foi o ponto vulnerável em uma família considerada, até então, extremamente sagaz no mundo dos negócios. A mansão foi uma excentricidade desde os primeiros passos. Sua concepção pouco teve a ver com conforto ou beleza. Ela deveria ser um símbolo. Ela deveria mostrar quem dava as cartas na cidade. É que a família T. não mais queria ser apontada com um misto de admiração e desdém. Parece paradoxal, mas não é. Nunca faltaram gracejos sobre o óleo que serve para fritar pastel. Uma hora o copo transborda.

Cada copo transborda à sua maneira, e o copo da família T. transbordou com tamanho furor, que mostrar à cidade o que um pastel era capaz de fazer tornou-se questão de honra. O problema é que, nessas horas, pessoas sensatas são tomadas por uma febre que distorce tudo. O prudente, em termos financeiros, vira um gastador desatinado. Foi o que aconteceu com a família T..

Na próxima semana, mostraremos a triste sina dessa família.

(Continua na próxima semana.)

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