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‘In-Trópicos’ reflete sobre os traços corporais

02 de Novembro de 2018 às 08:21

‘In-Trópicos’ reflete sobre os traços corporais Thiago compôs uma dança que mescla referências do barroco, do moderno e do contemporâneo. Crédito da foto: Nilmar Lage / Divulgação

Misturando música barroca, golpes de artes marciais e o desafiador gesto de tentar olhar para trás, o artista Thiago Alixandre, do Coletivo O12, procura revelar traços específicos do corpo no Brasil no espetáculo “In-Trópicos”, que estreia hoje, no teatro do Sesc. A atração faz parte da Mostra Corpografias, do Sesc Sorocaba, composta por artistas e grupos de várias regiões do Brasil e da Europa. Thiago Alixandre é o único artista local que integra a programação.

“In-Trópicos” é o trabalho mais recente do cantor e bailarino Thiago Alixandre, integrante do Coletivo O12, de Votorantim. Construído a partir da hipótese de que existe um traço para se pensar -- e definir -- o corpo brasileiro, o artista sobe ao palco para apresentar uma obra coreográfica acompanhado do pianista Cádmo Fausto que inclui árias barrocas, “Lascia Ch’io Pianga”, de Georg Friedrich Händel e “Ária da capo”, de Johann Sebastian Bach, e o frevo “Madeira que cupim não rói”, do pernambucano Capiba.

Para refletir sobre a história do corpo brasileiro, composta, segundo o artista, por “traços fortes de colonização, golpes políticos e um grande desconhecimento do seu próprio passado”, o espetáculo parte de um evento trágico de ordem pessoal -- o falecimento de sua irmã. Após uma queda e fratura da cervical, a irmã do artista ficou tetraplégica e impossibilitada de mover a cabeça, de modo que olhar para o lado, para si mesma e para trás configurou uma imagem que, para Thiago Alixandre, se misturou a metáfora criada pelo filósofo italiano Giorgio Agambem, na qual o sujeito contemporâneo é aquele que, por ter a cervical fraturada, é incapaz de olhar para trás e ver suas próprias pegadas, suas memórias e, portanto, conferir sua história. “A impossibilidade de olhar para a história é uma característica dos corpos brasileiros. A nossa história não começa em 1500, quando o Brasil foi ‘descoberto’. Essa é uma esturtura cervical nos impede de olhar pra trás”, comenta.

A partir dessa leitura, Thiago compôs uma dança que mescla referências do barroco, do moderno e do contemporâneo. As árias dos compositores europeus e o frevo nordestino se misturam ainda a poesias de José Miguel Wisnick e a movimentos inspirados nos golpes de artes marciais orientais. “Essa misturança de linguagens, estilos e estéticas representa o que eu acredito ser o definidor do corpo brasileiro, que é justamente a mestiçagem étnica. O que nos define é exatamente o que não é um traço, e sim uma mistura colonial”, complementa.

O título do trabalho, “In-trópicos”, sintetiza os principais assuntos da criação. A leitura do título produz a sonoridade de “entrópicos” -- na física, entropia indica um grau de desorganização nos sistemas, percurso na direção do caos. O prefixo “in”, do inglês que significa “dentro”, se refere a estarmos dentro dos trópicos, região geográfica em que se encontra o país. “Vivemos uma entropia política desde a gênese do Brasil, quando as terras foram tomadas de assalto pelos europeus que escravizaram e promoveram o genocídio indígena logo após sua chegada. Aqui talvez não seja exatamente o paraíso dos trópicos, mas sim um paraíso à entropia”, diz o artista.

O figurino e cenário não cumprem o papel habitual destes elementos: corpo e palco estão seminus. “A ideia é que o público olhe para a anatomia do teatro e do corpo, para suas arquiteturas”, argumenta. O palco estará sem cortinas e bambolinas enquanto a luz, criada por Roberto Gil Camargo, é “difusa” e terá o papel de “dar contraste e relevo a musculatura do corpo”, conta o artista. Thiago Alixandre acrescenta que “In-trópicos”, com aproximadamente 50 minutos de duração, é uma obra construída artisticamente pensando gesto e voz coreograficamente. Além das árias barrocas, Thiago declama versos e canta à capela. A experiência de Thiago como cantor começou em 2008, quando cantou em coral e fez aulas de canto popular e erudito com Cadmo Fausto. (Felipe Shikama)

Serviço

“In-Trópicos”

Hoje, 20h

Sesc Sorocaba (rua Barão de Piratininga, 555, Jardim Faculdade)

Ingressos (disponíveis até o fechamento desta edição) custam entre R$ 17 (inteira), R$ 8,50 (meia) e R$ 5 (credencial plena)