Saúde Mental: Como Jung usava astrologia na psicologia analítica

O pai da psicologia analítica confessou consultar horóscopos em diagnósticos psicológicos complexos

Por Senhor Tanquinho

Durante mais de três décadas, o fundador da psicologia analítica, Carl Jung, incorporou elementos astrológicos em sua prática clínica, defendendo que os símbolos celestes poderiam representar arquétipos universais do inconsciente coletivo. Em carta ao astrólogo B.V. Raman, datada de setembro de 1947, Jung revela a extensão de seu interesse pela disciplina milenar. “Posso dizer que tenho me interessado por essa atividade particular da mente humana”, escreve. 

Ele complementa: “Em casos de diagnóstico psicológico difícil, costumo consultar um horóscopo para ter uma perspectiva adicional de um ângulo completamente diferente. Devo dizer que, muito frequentemente, descobri que os dados astrológicos esclareciam certos pontos que, de outra forma, eu não conseguiria compreender.” Hoje, profissionais influenciados por Jung podem acessar um mapa astral online para obter inspirações semelhantes às que o psiquiatra buscava em suas consultas.

Para astrólogos psicoterapeutas, o psiquiatra suíço entendia a astrologia como uma linguagem simbólica, capaz de oferecer compreensões sobre a psique humana ao conectar-se aos arquétipos do inconsciente coletivo.

Segundo a psicoterapeuta e astróloga norte-americana Liz Greene, autora do livro “Jung, o astrólogo”, o interesse do psicólogo suíço por astrologia, alquimia, gnosticismo, hermetismo e neoplatonismo foram “de importância primordial para sua compreensão da natureza do tempo, dos arquétipos, da sincronicidade e do destino humano”. 

Segundo ela, Jung utilizou o conhecimento astrológico não só para autocompreensão e autoexperimentação, mas também como ferramenta auxiliar em sua prática clínica. Ele percebeu que a disciplina já influenciava sua compreensão da dinâmica psicológica antes mesmo da ruptura com Freud, associando os ciclos zodiacais com a libido como “energia psíquica bruta da vida”.

Astróloga há 17 anos, formada pela escola Astrologia Luz e Sombra, Julie Marie destaca as importantes contribuições de Jung para a astrologia. “Ele percebeu a astrologia como uma linguagem arquetípica, capaz de traduzir os movimentos da psique em símbolos”, explica. “Em seus estudos, via os planetas e signos não como forças deterministas, mas como espelhos do inconsciente coletivo e pessoal”, acrescenta. Para ela, “Jung abriu caminhos para que a astrologia fosse compreendida não apenas como adivinhação, mas como uma linguagem simbólica e terapêutica, capaz de ampliar o autoconhecimento”.

A teoria dos tipos psicológicos de Jung

As explorações esotéricas de Jung influenciaram a teoria dos tipos psicológicos. O psiquiatra recorreu a textos astrológicos de seu tempo, com destaque para os trabalhos de Alan Leo, para estabelecer a correlação entre os quatro elementos tradicionais (terra, ar, fogo e água) e as funções psicológicas fundamentais: sensação, pensamento, intuição e sentimento. A síntese resultou em um avanço metodológico significativo para categorizar padrões comportamentais humanos.

Essas explorações de Jung também repercutiram muito além da psicologia clínica, da qual é considerado o criador. A obra do suíço remodelou a astrologia contemporânea, inspirando figuras como Dane Rudhyar e Sigrid Strauss-Klöbe a desenvolver abordagens psicologicamente orientadas. 

Essa tradição continua viva, com profissionais buscando onde fazer curso de astrologia com enfoque junguiano. O impacto se estende à literatura, teologia, história da religião e espiritualidades contemporâneas, criando pontes interdisciplinares que perduram até hoje. 

Foram essas mesmas reflexões, no entanto, que provocaram a resistência acadêmica que a figura de Jung também carrega até hoje: ele passou a ser rotulado como místico ou esotericista, com críticos questionando a cientificidade de modelos teóricos como os arquétipos do inconsciente coletivo. A dificuldade de demonstração experimental desses conceitos contrastava com as abordagens cognitivas predominantes, gerando tensões duradouras no campo da psicologia.

‘Coincidências significativas’ e o conceito de sincronicidade

Jung desenvolveu o conceito de sincronicidade para explicar fenômenos que escapam ao princípio tradicional da causalidade: eventos simultâneos que, embora não possuam relação causal aparente, compartilham um significado profundo para quem os vivencia.

Diferentemente de meras coincidências, a sincronicidade descreve “coincidências significativas” como situações em que um estado psíquico interno se alinha com um acontecimento externo de forma temporalmente coordenada, criando uma experiência de profundo sentido pessoal. Jung propôs que esses eventos não seguem as leis convencionais de causa e efeito, mas revelam uma “ordem psíquica subjacente” que conecta a experiência interior com a realidade externa.

O conceito de sincronicidade é relevante no contexto do processo de individuação, ou seja, o desenvolvimento psicológico em direção à integração da personalidade. É nessa fase que as experiências sincronísticas se manifestam como “guias simbólicos”, justamente nos momentos decisivos do crescimento pessoal. 

“Em seus estudos, Jung via os planetas e signos não como forças deterministas, mas como espelhos do inconsciente coletivo e pessoal. Uma das maiores contribuições foi o conceito de sincronicidade, que descreve a ligação significativa entre acontecimentos internos e externos, mesmo sem relação de causa e efeito”, pontua a astróloga Julie Marie.

Segundo ela, “essa visão dialoga profundamente com a astrologia, que se baseia exatamente nessa correspondência simbólica entre céu e alma”, uma vez que “ambas as áreas buscam compreender os movimentos internos, os padrões emocionais e as dinâmicas que nos habitam”. A astróloga acredita que “quando se unem, essas áreas oferecem caminhos de autoconhecimento, de consciência e de reconciliação com quem realmente somos”.

Para astrólogos junguianos, técnicas como a revolução solar podem revelar esses momentos sincronísticos potenciais. Nesse sentido, muitos trabalham para disseminar esse conhecimento explicando o que é revolução solar e como compreender seus desdobramentos.

Para Jung, os signos do zodíaco representavam “imagens caracterológicas” ou “símbolos libidinais” que constituem “configurações simbólicas do inconsciente coletivo”. Como ele escreveu a Freud, acreditava que “na astrologia se poderá ainda descobrir um dia uma boa parcela de conhecimento que foi intuitivamente projetada nos céus”.

Jung não ‘culpava as estrelas’ pelo destino humano

Entre as influências para a compreensão de Jung sobre o conceito de destino  estão os fundamentos filosóficos antigos, incorporando especificamente elementos do pensamento estoico. Segundo Greene, em resumo, a visão jungiana expandia o entendimento tradicional de destino ao propor que este não se limitava a uma força astral externa. 

Para o fundador da psicologia analítica, o destino assumia características de teleologia astral, onde o horóscopo funcionava como um mapa que delineava o “mito pessoal” de cada indivíduo. Teleologia, no caso, é o estudo dos fins ou propósitos – a ideia de que processos naturais ou ações humanas são direcionados para objetivos específicos.

A astrologia, dentro do sistema teórico jungiano, desempenhava papel instrumental como linguagem simbólica capaz de articular correspondências entre as configurações planetárias, os complexos inconscientes e os padrões arquetípicos que moldam o destino individual. Jung rejeitava a ideia de “culpar” as estrelas pelos rumos da existência humana, argumentando que as “correntes de escolhas e consequências inconscientes” resultavam da relutância dos indivíduos em desenvolver autoconhecimento. Para Jung, essa dinâmica influenciava trajetórias pessoais e, mais que isso, determinava aspectos da história coletiva da humanidade.