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Tropeirismo 3.0

08 de Maio de 2019 às 09:55

Ricardo Carrion

Há aproximadamente 50 anos o jornalista especializado em tecnologias Don Hoefler batizou a região sul da baía de São Francisco de Vale do Silício, ou Silicon Valley. O crescimento vertiginoso de empresas de semicondutores, cuja principal matéria-prima é o silício motivou o nome da região, que hoje abriga as principais empresas de tecnologia do mundo como Google, Facebook e Amazon. O nome ficou, mas como nosso Município pode aprender com o sucesso da região californiana?

A existência de ecossistemas de inovação pujantes, capazes de promover processos de desenvolvimento econômico, depende de condições adequadas para se desenvolver. Há décadas o modelo da “tripla hélice” tem sido utilizado para descrever estas condições, referindo-se à integração entre universidades, empresas e governos com foco na geração de produtos inovadores. Universidades trazem o capital humano, o governo traz recursos para estimular produtos inovadores e investidores arriscam-se tentando inserir estes produtos no mercado. Parece uma receita pronta para o sucesso, só que não.

Atualmente especialistas no ramo da inovação já têm considerado o modelo da quádrupla hélice como uma evolução nos fatores chave para o desenvolvimento de ecossistemas inovadores. O quarto fator, este sim determinante para a “hélice girar”, chama-se comunidade, ou seja, a existência de uma limitação espacial que estimule a interação entre os agentes deste ecossistema. Em poucas palavras, não basta alunos brilhantes, um governo pronto para apoiar e um setor privado capaz de tomar risco -- eles precisam interagir de maneira eficiente. Elenco aqui três formas para facilitar que isto ocorra.

Modernização do processo produtivo. Muitas empresas têm apostado no modelo coworking para estimular a quádrupla hélice. Para quem não conhece, coworkings são espaços de trabalho compartilhados, capazes de oferecer opções mais baratas e descoladas para empresas que estão começando. Nos últimos anos houve um crescimento vertiginoso no uso de coworkings no Brasil. Segundo o censo Coworking Brasil, o número deste tipo de espaços cresceu de 378 em 2016 para 1.194 em 2018. Mesmo grandes empresas têm apostado no modelo para atrair novos clientes e identificar soluções inovadoras para seus problemas. O Cubo e o Inovabra são coworkings ligados aos bancos Itaú e Bradesco, respectivamente, onde startups recebem espaços de trabalho capazes de estimular a troca de ideias.

Governos inovadores. Políticas públicas também podem ser um instrumento de construção de comunidades. Cito aqui três. O Mobilab consiste em laboratório de inovação em mobilidade urbana da prefeitura de São Paulo para estimular a troca de experiências entre administração pública e startups. Já o LAB.Ges do Governo do Estado do Espírito Santo, por sua vez, busca estimular os valores da inovação em espaços governamentais através de metodologias de design thinking. O programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da Fapesp garante subvenções econômicas a empreendedores que desejam realizar o desenvolvimento tecnológico em suas empresas.

Economia em rede. Partindo para uma perspectiva desenvolvimentista, a variável comunidade pode florescer em torno da organização econômica de produtos ou serviços inovadores de determinada cidade ou região. O termo SmartCity não existe à toa. Em geral ele é utilizado para se referir às invenções específicas capazes de melhorar a vida de cidadãos através da tecnologia, tais como câmeras de vigilância com reconhecimento facial ou bilhetes de ônibus em QR codes.

No entanto, para que estas aplicações possam ser efetivamente utilizadas em benefício da população, é necessário que os agentes deste ecossistema sejam capazes de se integrar em rede. Universitários precisam ser sofisticados o suficiente para estarem na vanguarda do mercado; o Governo precisa estar estruturado o bastante para conseguir apoiar empresários inovadores; o mercado precisa estar antenado o suficiente para saber em quais empresas deve investir. Cidades diminuem espaços entre estes agentes, mas para agir em rede o mercado produtivo de inovação precisa ser autossustentável, ou seja, ter um balanço eficiente entre oferta e demanda em torno de produtos e serviços inovadores.

Sorocaba pode aprender com estas experiências e fortalecer seu ecossistema de inovação. Durante a era do Tropeirismo no Brasil, entre os séculos 18 e 19, estivemos no centro da produção econômica do país em função da centralidade do Município no mercado de mulas. Para reviver este ciclo de ouro é necessário reencontrar as aptidões locais e inseri-las na economia tecnológica e globalizada do século 21. Isso passaria por estimular a quádrupla hélice pela variável comunidade, tanto através empresas com um modelo produtivo inovador, de políticas públicas que coordenem o desenvolvimento de startups,quanto por uma sociedade que organiza seus processos produtivos em rede.

*Ricardo Carrion é advogado e gestor público. Mestrando em Direito e Desenvolvimento pela FGV.